Título: Com mais negros, Brasil se consolida mestiço
Autor: Barbosa, Flávia
Fonte: O Globo, 15/09/2007, Economia, p. 43

RETRATOS DO BRASIL/PNAD-2006: Para economista, valorização da cultura negra ajuda forma de brasileiro definir sua cor.

Número de pretos cresce 1,345 milhão enquanto o de pardos cai, fazendo dos brancos "minoria" da população.

A diversidade racial, um dos aspectos mais valorizados da cultura do Brasil, consolidou-se, no ano passado, como dado estatístico. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), cidadãos negros, pardos, amarelos e indígenas representaram 50,3% da população em 2006. Além disso, estima-se que tenha aumentado em 2,627 milhões o número de residentes no país em 12 meses. E a parcela que mais cresceu foi a de negros, em 1,345 milhão.

Isso sugere que o fim da secular imagem de nação de maioria branca tem como pano de fundo o auto-reconhecimento como negros de quem antes se dizia pardo. Em 2006, o número de pretos avançou 0,6 ponto percentual, para 6,9% dos brasileiros. Já os pardos encolheram sua representatividade em exato 0,6 ponto percentual, para 42,6%.

Em algumas regiões, o movimento foi ainda mais forte. No Norte, onde se dizem pardos 69,2% dos residentes - a maior proporção do Brasil - o número de brasileiros se declarando pretos subiu 370 mil, 65,1%, entre 2005 e 2006. A população parda, porém, "perdeu" 121 mil pessoas. No Sudeste, enquanto no ano passado havia 471 mil negros a mais do que em 2005, "desapareceram" 384 mil pardos.

A participação dos brancos recuou de 49,9% para 49,7% da população geral, enquanto a de amarelos e indígenas ficou estável, de 0,7% para 0,8%. Em dez anos, caiu cinco pontos a participação dos brancos.

É muito em termos demográficos e não há item que explique isso tecnicamente, como migração, fecundidade e mortalidade, afirma o economista Marcelo Paixão. Ele é coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais da UFRJ:

- A mudança é relativa a pertencimento. São dez anos de valorização da cultura negra, com exposição de intelectuais, artistas, cientistas e esportistas pretos. Pela primeira vez, ser negro não é sinônimo de coisa ruim. Declarar cor é algo de auto-percepção. A notícia é positiva.

A avaliação de Paixão ajuda a explicar a consistência dos dados também no recorte por gêneros. O número de negros e de negras aumentou na mesma magnitude, assim como o de pardos e pardas caiu.

Taxa de fecundidade só garante reposição de mortos

O economista diz ainda que a política de cotas raciais pode ter influenciado o auto-reconhecimento como preto. Mas menos como incentivo econômico e mais como expressão de conscientização de que assumir sua raça lhe permite exercer a cidadania.

O capítulo demográfico da Pnad trouxe outra revelação: o país atingiu uma taxa de fecundidade que só garante a reposição dos brasileiros que morrem. Em média, cada mulher passou a ter dois filhos em 2006, ante 2,1 em 2005.

Além da tendência das últimas décadas à redução da família, o envelhecimento da população é outro motivo para a queda da fecundidade. Segundo o IBGE, apenas na Região Norte, hoje, na pirâmide populacional, há mais crianças até 4 anos do que pessoas com mais de 60 anos.