Título: Um bom começo
Autor: Krieger, Gustavo
Fonte: Correio Braziliense, 14/04/2009, Política, p. 4

O Pacto Republicano traz várias propostas relevantes, mas o mais importante pode ser a possibilidade de diálogo que ele abre

A semana política começou com uma imagem forte. Os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal assinaram o II Pacto Republicano. Na prática, comprometeram-se a trabalhar juntos para aprovar uma longa lista de mudanças na legislação. Entre elas, a reforma do Judiciário e uma nova regra para a edição de medidas provisórias. A simples assinatura do pacto já é um avanço. Ela só foi possível depois de meses de muita negociação política. O ministro da Justiça, Tarso Genro, e o presidente do STF, Gilmar Mendes, que estamos acostumados a ver em lados opostos em debates e trocas de farpas pela imprensa, souberam conduzir nos bastidores a construção de uma agenda mínima, capaz de unir Executivo e Judiciário. Mas o desafio está apenas começando. É preciso transformar essa pauta em realidade. Missão que cabe a dois outros signatários do pacto, Michel Temer e José Sarney, os presidentes da Câmara e do Senado.

Não será tarefa simples. O Congresso terá de superar a crise em que está mergulhado, na qual dedica muito mais tempo a responder denúncias de irregularidades em sua administração do que na elaboração de uma pauta consistente. Mas é uma oportunidade de recuperar o protagonismo. Especialmente se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levar a sério a assinatura que apôs no pacto. De seu lado, pode fazer duas coisas: mobilizar a bancada governista para votar e encarar de frente a questão das medidas provisórias. Num primeiro momento, reduzindo a velocidade com que as edita, de forma a dar um pouco de fôlego à pauta do Legislativo. E, numa discussão bem mais profunda, aceitar negociar novas regras para a edição, que reduzam seu caráter discricionário.

O pacto traz várias propostas importantes, a maioria no sentido de agilizar o andamento da justiça. Mas o mais importante pode ser a possibilidade de diálogo que ele abre. Os últimos anos foram marcados pela tensão entre os Poderes. O Legislativo queixa-se de que sua função vem sendo usurpada. De um lado, pelo excesso de medidas provisórias do Executivo. De outro, pela emissão cada vez maior de sentenças com caráter regulatórios pelo Judiciário. A Justiça Eleitoral, em especial, assumiu o papel regulador que deveria pertencer ao Congresso. De outro lado, desde que assumiu a presidência do STF, Gilmar Mendes tem se mostrado um crítico constante de atitudes do governo federal.

Ontem, ao menos nos discursos, o tom era outro. Gilmar Mendes assumiu a defesa do Legislativo. ¿Só um Congresso Nacional aberto, ativo e altivo pode garantir o regime democrático¿, disse. Lula minimizou as divergências entre os Poderes e brincou com o assunto: ¿De vez em quando inventam uma briga entre Congresso e Executivo, Legislativo e Judiciário. Ao que eu saiba, ninguém é freira ou santo num convento. E não me consta a história de que não há brigas no convento, mas somos homens e mulheres construindo a democracia¿.

Se esse entendimento se mantiver além da cerimônia de assinatura do pacto, pode ser um avanço para a democracia brasileira.