Título: Em 2008, mais gastos com bolsas
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 16/09/2007, O País, p. 3

No ano eleitoral, verbas para programas de transferência de renda subirão 27,8%.

Ogoverno federal aumentou em 27,8% o valor destinado a programas sociais de transferência de renda e bolsas de benefícios diretos no Orçamento da União de 2008, ano de eleições municipais. São ações governamentais que resultam em dinheiro na mão dos mais pobres, sem interferência ou intermediação de ONGs, prefeituras ou administrações estaduais. Para este ano, o Orçamento estima um gasto de R$9,2 bilhões com essas ações. No ano que vem, já estão reservados no Orçamento, que ainda será votado pelo Congresso, R$11,8 bilhões. Essas ações federais são reforçadas por iniciativas estaduais, como programas de distribuição de leite ou de cestas básicas e os chamados "cheque-cidadão".

O reforço financeiro das ações sociais do governo Lula vem sempre acompanhado de críticas da oposição, que as caracteriza como assistencialistas. Para políticos adversários, o aumento do montante total e a extensão das bolsas a outros beneficiários, a partir de 2008, têm caráter eleitoreiro, pois, afirmam, "fidelizam o pobre, que paga o governo por meio do voto".

Especialistas em políticas públicas apóiam, em geral, as iniciativas de transferência de renda, e, embora não apontem um caráter meramente eleitoral nas medidas, admitem que ações voltadas para os mais pobres dão voto, sim. O governo federal, por sua vez, declara que a extensão dos benefícios já fazia parte da idéia inicial dos programas, desde o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E critica a oposição por enxergar apenas a possibilidade de votos que aliados possam vir a ter por apoiar as iniciativas do Palácio do Planalto.

CPMF para o social

O valor destinado a políticas de transferência de renda em 2008 corresponde a 59% do que o governo gasta, por exemplo, com o pagamento, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de procedimentos médicos de média e alta complexidades (recursos obtidos por meio da CPMF) que, para 2008, somam R$20 bilhões. A estimativa do governo é arrecadar quase R$40 bilhões com a CPMF ano que vem. Aliás, o principal argumento do Planalto para que o Congresso aprove a prorrogação da taxa é que, sem ela, não haverá dinheiro para os programas sociais.

Ainda para efeito de comparação, os R$11,8 bilhões que o governo planeja distribuir para a camada mais pobre é praticamente a mesma quantia destinada ao programa Brasil Universitário, do Ministério da Educação, que, em 2008, terá uma verba de R$11,9 bilhões - esse ambicioso programa de reestruturação e expansão tem como meta dobrar o número de alunos nas salas de aula das universidades públicas federais num prazo de dez anos.

O aumento da verba dos programas de transferências de renda ocorreu por alguns motivos: o Planalto resolveu estender o benefício do Bolsa Família a jovens entre 16 e 17 anos (a partir dos 16, eles já podem votar). Essa extensão significará um acréscimo de R$630 milhões no programa. O governo também reajustou o valor do benefício. O Bolsa Família, que neste ano teve uma dotação de R$8,7 bilhões, contará com R$10,3 bilhões.

O Bolsa Atleta, do Ministério dos Esportes, um incentivo financeiro a atletas de alto rendimento, dobrará de valor: dos atuais R$13,2 milhões para R$26,4 milhões. E o ProJovem, que reuniu várias ações destinadas aos jovens - inclusive o fracassado Primeiro Emprego -, ampliou o universo atendido e ganhou mais R$1 bilhão: de R$490 milhões neste ano para R$1,4 bilhão no próximo.

A oposição, ciente de que o Bolsa Família foi um fator importante na reeleição de Lula, ano passado, se preocupa e critica as ações.

- Sob a desculpa de fazer transferência de renda, o governo está comprando votos - acusa o líder do DEM na Câmara, Onyx Lorenzoni (RS). - É um programa assistencialista, de perfil eleitoreiro, porque cria a dependência do pai bonzinho, que dá dinheirinho e, na hora da eleição, cobra a fatura.

Para Antonio Carlos Pannunzio (SP), líder do PSDB na Câmara, o governo percebeu o alcance eleitoral dessas iniciativas, em 2006, e tenta lucrar mais ainda:

- São ações assistencialistas e eleitoreiras.

Embora seu partido faça parte da aliança que apóia o governo, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) é só críticas às ações de transferência de renda de Lula.

- São assistenciais, com impacto eleitoral claro. Não são programas transformadores, porque mantêm a pobreza.

Cristovam, no entanto, disse acreditar que Lula não está ampliando os programas somente por razões eleitorais:

- Pode estar fazendo por generosidade.

O líder do PT na Câmara, Luiz Sérgio (RJ), rebate as críticas. Ele diz que, no Brasil, um ano é pré-eleitoral e o outro, eleitoral. E que isso não pode inibir o governo de atuar:

- No centro da crítica da oposição está um preconceito contra a política que o governo está adotando em favor dos mais pobres. O ideal seria que não precisássemos distribuir bolsas, mas o Brasil é o país mais desigual do mundo.

O governo defende a distribuição de recursos para os mais pobres e nega que haja caráter eleitoreiro. Rosani Cunha, secretária nacional de Renda da Cidadania, do Ministério do Desenvolvimento Social, diz que o governo não está aumentando o universo de famílias atendidas pelo Bolsa Família, que continua em 11,1 milhões. Ela afirma que, ao ampliar a faixa etária dos filhos beneficiados, a intenção é reduzir a evasão escolar:

- É importante lembrar que o benefício continua sendo pago às mães, e não aos jovens. Além disso, estamos discutindo isso desde outubro de 2005.

"Não é automático"

Beto Cury, secretário nacional da Juventude, também contesta a oposição. Para ele, o ProJovem não é um programa de transferência de renda, embora pague uma bolsa, mas um complemento para uma qualificação profissional.

- O presidente não é candidato a nada, e não acho que essa transferência de voto aconteça automaticamente - diz ele.

O pesquisador André Urani, fã do Bolsa Família, avalia que o programa dá voto, mas não o classifica como eleitoreiro porque, diz, tem uma continuidade:

- Os pobres estão certos em votar em quem os ajuda. Não reconhecer que os programas são bons para os pobres é burrice.

Urani defende o reajuste do benefício e observa que, no meio urbano, os valores deveriam ser mais altos, uma vez que o custo de vida é maior. Ele defende que as ações devem ir além da "anestesia", isto é, devem fazer mais do que tirar as pessoas da pobreza, de modo imediato.

- Está na direção correta, mas ainda tem muita coisa que aperfeiçoar.

Para Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), programas de outros governos em ano eleitoral reduziram a pobreza naquele ano, mas depois ela voltou a aumentar. Isso porque, acredita, não havia continuidade. Ele contesta a informação de que o Bolsa Família possa ter efeito eleitoral.

- A maioria do público beneficiado não vota, porque as famílias têm muitos filhos.

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