Título: Lula sobre o caso Renan: Ninguém pode dizer que há impunidade
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 16/09/2007, O País, p. 4

Presidente nega ajuda do Planalto e diz que não é juiz para julgar senador.

MADRI. Não houve impunidade na absolvição do senador Renan Calheiros, afirmou ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista de uma hora em Madri, Lula, descontraído e sorridente, defendeu que o Congresso volte a funcionar rápido e negou que o Planalto tenha trabalhado pela absolvição. Quando perguntaram se acreditava na inocência de Renan, respondeu: "Não sou juiz". E disse estar pronto a se encontrar com o presidente do Senado na volta ao Brasil. Lula também disse acreditar que a CPMF será aprovada. Ele continua em Madri hoje, sem agenda oficial. Disse que tudo o que quer neste domingo é não ter assessores o apressando para compromissos. Ele encerra a viagem amanhã. Alguns trechos da entrevista:

IMPASSE NO CONGRESSO: "Não (estou preocupado). O Congresso teve um problema de denúncia contra o Renan. Utilizou todos os instrumentos para julgar e julgou. Tem a Suprema Corte, tem ainda mais duas coisas contra o Renan. O país tem instituição sólida para fazer avaliação, para julgar as pessoas. Depois do caso Collor, as instituições brasileiras são sólidas. Lembro do medo que o doutor Ulysses Guimarães, quando começou a denúncia contra o Collor, de que (afetaria) a democracia brasileira. Isso não existe mais. Para qualquer cidadão que comete um erro há mecanismos institucionais para julgá-lo".

IMPUNIDADE: "Primeiro, não acho que haja impunidade. Deus queira que o Brasil continue sendo um país com regras que dêem direito às pessoas se defenderem. Porque vivemos um momento em que não tínhamos direito de nos defender, vivemos 23 anos de autoritarismo. É importante que as pessoas acusadas por quem quer que seja possam se defender. Nas instituições democráticas, todo mundo se defende. Você não pode é achar que as pessoas têm que ser culpadas antes de serem julgadas. Ninguém pode dizer que há impunidade... Sentia isso quando não era presidente. Quando estava no sindicato, eu sentia: "Ah, denunciaram fulano, mas não prenderam". Então, a sociedade fica achando que precisa prender. Ora, para prender tem que ter mecanismos".

INOCÊNCIA DE RENAN: "Não se trata de acreditar na inocência ou não. Eu não sou juiz. Quem vai julgar se Renan é inocente ou não é alguém que vai julgar com acusações, defesa e veredicto. Não o presidente da República. Fazer política não é uma ação entre amigos. O Renan é um problema do Senado. O Senado começou o problema. O Senado resolveu o problema".

AJUDA DO PLANALTO: "Se acreditasse em tudo o que o jornal publica, não faria política. Para o governo, o melhor é que o Senado funcionasse normalmente. O Senado tomou a decisão que entendeu que era melhor tomar. Se vai seguir processo, é um problema também dos senadores. Para o governo, isso não tem problema. O governo vai continuar trabalhando para que as coisas funcionem dentro da Câmara e do Senado. Não tem por que achar que agora ficou mais difícil porque a oposição vai... A oposição vai se comportar como sempre se comportou. Quando éramos oposição, tínhamos o mesmo comportamento que a oposição tem hoje".

ENCONTRO COM RENAN: "Não está marcado. Mas, se o Renan quiser conversar comigo, vamos conversar. Ele é o presidente do Senado. Não falei com ele. Estarei chegando na segunda ou terça-feira de madrugada ao Brasil. Na hora que o Renan quiser conversar comigo, é telefonar e marcar que eu o receberei como sempre recebi".

FUTURO: "Para mim, na segunda-feira, o Senado começa a funcionar normalmente. As coisas estão lá para serem votadas, e espero que a gente vote o que tem que ser votado. Temos que votar a reforma tributária, a CPMF, um monte de leis e medidas provisórias. É para isso que o povo elege senadores, deputados e o presidente da República. Tem hora de falar mal do governo, hora de fazer oposição e hora de trabalhar. Afinal, o que está em jogo é o Brasil".

CPMF E OPOSIÇÃO: "O que é que você espera da oposição? Que fale bem de mim? Não atrapalha, não. Eles vão votar a CPMF porque vamos ter maioria para votar. Você governa um país construindo maioria. E à oposição é dado o direito de pensar um pouco o país, de votar favorável quando os projetos são de interesse do país, e de fazer discurso contra quando tem vergonha de falar a favor".

O IMPOSTO: "A CMF vai ser aprovada. É um imposto justo e não tem nenhum governante que possa prescindir da CPMF. Eu fui ao Congresso na bancada do PT trabalhar para não aprovar a CPMF. Agora sou um cidadão que tem humildade para mudar de posição. Sobretudo quando você vira presidente da República e depende de R$40 bilhões para fazer investimento. Eu não sou um poste, sou um ser humano! Você não governa com principismo. Principismo você faz num partido, quando pensa que nunca vai ganhar as eleições. Quando você vira governo, você governa em função da realidade que tem".

REAÇÃO DOS EMPRESÁRIOS: "Os empresários estão ganhando muito dinheiro no Brasil. (...) É sempre assim. Sempre querem mais".