Título: Crescimento econômico e carga tributária
Autor: Palocci, Antônio
Fonte: O Globo, 16/09/2007, Opinião, p. 7

O aumento da arrecadação, verificado em todos os níveis de governo e, em particular, na esfera federal, colocou o tema da carga tributária no centro do debate econômico atual. Muitos questionam se houve aumento de tributos nos últimos anos. Estudo recente do economista Raul Veloso revela, ao contrário, que nos últimos quatro anos os valores referentes às desonerações fiscais superam em muito os de aumentos de tributos.

Fim do IPI sobre máquinas e equipamentos; desoneração da cesta básica, livros, materiais de informática e produtos da construção civil; redução do Imposto de Renda nas transações imobiliárias; e redução da carga tributária das universidades para constituir o ProUni são alguns exemplos. Mas por que, mesmo assim, o volume de arrecadação continua a crescer?

Um olhar mais atento sobre os dados desagregados da Receita Federal mostra com clareza o que está ocorrendo: há um evidente aumento da eficiência da administração tributária, agora fortalecida com a unificação da Receita Federal com a Receita Previdenciária.

Mas há, principalmente, um aumento no recolhimento de tributos referentes a lucros, renda, crédito e maior formalidade da economia. O fato é que o atual ciclo de crescimento vem se mostrando consistente e contribui para expandir o lucro das empresas, os empregos formais e a renda das famílias.

Setores importantes da economia também vêm aumentando de forma vigorosa seus níveis de formalização, resultado da combinação de pelo menos três fatores: ampliação do acesso ao mercado de capitais; expansão do crédito; e ampliação da participação do Brasil no mercado mundial. Um bom exemplo de aumento da formalização que advém da ampliação do crédito e do maior acesso ao mercado de capitais é a construção civil. Em situações como esta é normal a arrecadação crescer acima do PIB nominal.

Mais importante, porém, do que o diagnóstico sobre a expansão da arrecadação no país são as escolhas das políticas que serão adotadas para aproveitar esse ciclo virtuoso e que darão maior sustentabilidade ao crescimento econômico em curso.

Combinar o bom uso desses recursos com novas desonerações fiscais e uma melhoria da qualidade dos tributos é uma opção de eficiência garantida.

A instituição do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) - que levou o presidente Lula a conclamar o seu próprio governo e a iniciativa privada a um esforço concentrado por investimentos de conteúdo social (habitação e saneamento) e de infra-estrutura (rodovias, portos, aeroportos, irrigação e energia), combinado com medidas de restrição de gastos correntes, ainda pendentes de votação no Legislativo - mostra que o governo escolheu o bom caminho. Mas isso não é tudo. Investimento não é um assunto banal. É a mais difícil das tarefas dos governos. O investimento é, em geral, difícil de ser bem escolhido, planejado, financiado e executado. E seus projetos permanentemente disputam recursos com outros tipos de gastos.

Na administração pública, em seus diferentes níveis, os gastos correntes tendem a ganhar de goleada dos gastos com investimentos. Eles são mais fáceis, mais atrativos e mais dinâmicos. E, na maioria das vezes, são meritórios, como é caso, por exemplo, dos recursos destinados à educação, à saúde e à segurança.

No entanto, uma boa parcela dos gastos correntes deveria ser evitada, em todos os níveis de governo. Isso porque sua evolução crescente reduz o espaço dos investimentos e da reforma dos tributos, não contribui para avanços sociais e limita o potencial de crescimento do setor privado.

É por isso que a escolha das políticas públicas precisa ser bem equilibrada, além de eficiente. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, acaba de lançar um plano para estimular novos modelos de gestão dos hospitais. Botou o dedo na ferida e merece todo incentivo. É essencial, neste momento, promover reformas para melhorar a qualidade do gasto público e para simplificar a complexa estrutura dos nossos impostos. Esse seria um bom caminho para converter a melhora da arrecadação em mais crescimento para o país e mais bem-estar social.

ANTONIO PALOCCI foi ministro da Fazenda e é deputado federal (PT-SP).