Título: Saúde em crise garimpa recursos no governo
Autor: Éboli, Evandro e Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 16/09/2007, O País, p. 15

Para convencer área econômica, Temporão cita, por exemplo, os 13 milhões de hipertensos sem tratamento correto.

BRASÍLIA. De pires na mão em busca de recursos para reverter o dramático quadro da saúde no país, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, não esconde as mazelas do setor. Para convencer a equipe econômica a abrir os cofres e o Congresso a destinar mais dinheiro para melhorar o atendimento, o ministro revela o diagnóstico caótico: cerca de 90 mil pacientes com câncer estão sem fazer radioterapia; 13 milhões de hipertensos estão sem receber tratamento adequado, situação que se repete com outros 4,5 milhões de diabéticos; 47% das mulheres grávidas não completam as sete consultas previstas no período de pré-natal; e 25% das pessoas com hanseníase, tuberculose e malária também têm problemas de atendimento.

A falta de recursos, a insuficiência dos serviços e as falhas de gerência levaram o caos a hospitais do Nordeste, nos últimos meses. Salários baixos, greves e valores defasados na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) estão por trás da crise. O próprio Temporão cita exemplos: o SUS paga R$7,50 por uma consulta especializada, que, com o valor corrigido, deveria custar R$21. O SUS paga R$5 por um raio X, quando o custo real desse serviço é de R$27.

- Como enfrentar essa realidade com a base de financiamento que tem hoje? Não dá para fazer mágica - desabafou Temporão, semana passada, em reunião com deputados da bancada da saúde, na Câmara.

Ministros não usam o SUS

A busca por mais verbas para a saúde ocorre no momento em que o governo luta, no Congresso, para prorrogar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), prevista para terminar no fim do ano. Em 2006, a CPMF injetou R$13,5 bilhões na saúde. Outra frente de batalha é a regulamentação da Emenda Constitucional 29, que vincula verbas ao setor nos três níveis de governo: União, estados e prefeituras. Como a lei não define claramente o que são gastos em saúde, a maioria dos governos estaduais inclui na conta até despesas com planos de saúde dos servidores.

Dono do segundo maior orçamento na Esplanada dos Ministérios - só perde para a Previdência -, Temporão reclama da dificuldade de convencer os ministros da área econômica. A insensibilidade, segundo ele, tem duas origens: os ministros desconhecem a gravidade do problema e não sofrem na pele as conseqüências da crise, pois nem eles nem suas famílias dependem do SUS:

- Eles têm pouco conhecimento do que é o sistema de saúde pública. Não usamos o sistema. Isso é uma contradição. Os que formularam o SUS, inclusive os servidores públicos, não o usam. Têm planos privados. O ministro (Temporão) também não usa. Usa eventualmente - afirma o próprio Temporão.

Dados oficiais demonstram que os municípios são os que mais cumprem os percentuais mínimos exigidos, se comparados com governos estaduais e federal. O secretário-executivo do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), José Ênio Duarte, diz que isso ocorre porque prefeitos e vereadores são pressionados cotidianamente pelos usuários.

- Se não investirem, correm o risco de não serem reeleitos. Quem gastar menos que os 15% exigidos em lei está frito politicamente - diz Ênio.

Pela Emenda 29, os municípios devem investir 15% da receita no setor; os estados, 12%; e a União, sempre mais do que no ano anterior, variando conforme o aumento do Produto Interno Bruto (PIB). O projeto de lei que regulamenta a emenda prevê fixar em 10% a contribuição do governo federal.

Estados pedem mais verbas

O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Osmar Terra, que é secretário no Rio Grande do Sul, diz que os estados estão dispostos a investir mais e, para isso, defendem a regulamentação da Emenda Constitucional 29, desde que tenham prazo de alguns anos para atingir os 12%.

- Ouvindo o discurso do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e até o do Temporão, parece que os estados não estão investindo. Mas estão fazendo um esforço muito maior. A CPMF não fica com os estados, fica com o governo federal. A União está ficando com a fatia do leão e os estados, com a fatia do camundongo - diz Terra.

Para o presidente do Conass, o Brasil precisa aumentar os investimentos em saúde. Ele acredita que o país fez muito com pouco nas últimas décadas, quando conseguiu reduzir em dois terços a mortalidade infantil. Terra observa que os problemas de gestão estão limitados aos hospitais e não ao sistema de saúde. O gargalo do sistema, diz ele, é justamente o atendimento especializado, em que um paciente espera meses para consultar um urologista ou outro médico especialista.

Na mesma linha, o pesquisador Sérgio Piola, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que o Brasil precisa investir mais e melhor em saúde. Piola lembra que o país aplica apenas 3,5% de seu Produto Interno Bruto (PIB) no SUS, menos que outros países, entre os quais Argentina (4,3%), Costa Rica (5,8%) e Reino Unido (6,9%).

- Para um sistema que se propõe a atender todos os brasileiros, oferecendo desde vacinas até transplantes, 3,5% do PIB não é demais. Pelo contrário: é insuficiente. Isso não quer dizer que não existam problemas, que não se possa ter maior eficiência nos gastos.