Título: Interpol prende Salvatore Cacciola em Mônaco
Autor: Farah, TTatiana e Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 28/09/2007, Economia, p. 38

Ex-dono do Banco Marka deixou Brasil em 2000. Governo pedirá extradição do foragido, mas não há tratado com principado.

SÃO PAULO, RIO e BRASÍLIA. A Interpol - a polícia internacional - prendeu ontem, no Principado de Mônaco, o ex-banqueiro Salvatore Cacciola, de 63 anos, que deixou o Brasil em 2000. Condenado em 2005 a 13 anos de prisão por peculato (desvio de dinheiro público) e gestão fraudulenta, o foragido dono do Banco Marka, que faliu, era o procurado número 1 da polícia brasileira no exterior.

Cacciola passou os últimos sete anos na Itália, onde nasceu, e de onde não poderia ser deportado. Ontem, foi flagrado pela Interpol ao apresentar o passaporte ao setor de Imigração de Mônaco. Seu nome estava incluído na "difusão vermelha", uma lista com nomes dos foragidos mais procurados do mundo. Quando acendeu a luz vermelha, os policiais entraram em contato com a Interpol brasileira, que confirmou que Cacciola era a pessoa mais procurada pelo país no exterior. Ele foi detido imediatamente.

Não há informações sobre o motivo de sua viagem. Também não se sabe se ele estava chegando a Mônaco ou deixando o principado.

Como Brasil e Mônaco não têm tratado de reciprocidade para extradição de condenados, o retorno de Cacciola ao país pode ser mais difícil. O ministro da Justiça, Tarso Genro, convocou para amanhã uma reunião com o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, o chanceler Celso Amorim e o diretor-geral da Polícia Federal (PF), Luiz Fernando Corrêa, para negociar a extradição.

- Nada impede que os dois países assinem o acordo de cooperação, e isso pode ser bem rápido. O ministro vai definir a estratégia nesta segunda-feira - disse Tuma Júnior.

Pedido de habeas corpus foi impetrado dias antes da prisão

Amanhã, Cacciola, oficialmente detido e não preso, será apresentado às autoridades judiciárias locais. Não está descartada a possibilidade de o ex-banqueiro ser solto, se o promotor não levar em conta a condenação brasileira. Cacciola foi condenado pela 6ª Vara Criminal Federal do Rio, em 2005, por crimes contra o sistema financeiro. Com o FonteCindam, o Marka recebeu R$1,5 bilhão do Banco Central, após atolar-se em compromissos equivalentes a 20 vezes o valor do banco, em 1999.

O advogado de Cacciola, Carlos Ely Eluf, tenta anular a sentença no Brasil, com a alegação de que o processo não deveria ter sido conduzido pela Justiça comum, por envolver o ex-presidente do BC Francisco Lopes. Para Eluf, o caso deveria ter foro privilegiado.

Enquanto seu cliente estava foragido, o advogado ficou atuando no Brasil. Ontem, o GLOBO localizou um pedido de habeas corpus impetrado por Eluf no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O pedido tramita desde o dia 13, às 18h31m, e será julgado pelo ministro Paulo Galloti. Eluf negou que seja um habeas corpus preventivo (para o caso de prisão ou extradição).

- Sempre entro com habeas corpus por muitos motivos, como pedidos de anulação do processo ou contra a intimação de Cacciola para depor no Rio, pois ele deveria ter sido ouvido em Milão - disse o advogado. - Como poderia saber que ele seria preso?

O advogado não sabia dizer, pelo número do documento, a razão desse habeas corpus.

A prisão de Cacciola foi informada às autoridades brasileiras na manhã de ontem e confirmada, à tarde, pela PF. Segundo a PF, Cacciola ficará à disposição da polícia de Mônaco até que o governo brasileiro envie à Justiça daquele país o pedido de extradição.

As avaliações do governo são de que o processo de extradição pode ser lento. Tarso Genro só pretende se pronunciar sobre o caso amanhã.

Advogado: Justiça italiana não reconhece delitos do caso

Em 2005, quando já vivia na Itália, Cacciola foi condenado a 13 anos de prisão e passou a ser foragido. Recentemente, foi aconselhado por amigos no Brasil a não deixar a Itália, "nem mesmo para ir ao Vaticano".

Eluf já enviou um profissional de sua equipe de Milão para Mônaco. Ele disse que a Justiça local precisará analisar o pedido de extradição:

- A condenação dele não é definitiva, e o processo está cheio de nulidades. Há ainda um pedido de prisão preventiva de sete anos atrás. Mas, quando ele saiu do país, não havia impedimento. Havia um habeas corpus que o liberava. E a Justiça italiana não reconhece como delito as acusações a que meu cliente responde no Brasil.

Eluf acredita que Cacciola foi preso pois estava em Mônaco, fora da União Européia, área de proteção do ex-banqueiro:

- Estamos tentando entender a situação. Na segunda-feira (amanhã) teremos uma posição melhor.

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Salvatore Alberto Cacciola, dono do falido Banco Marka, entrou para as páginas policiais dos jornais logo após a adoção do câmbio flutuante no país, em 1999. A mudança na política cambial fez disparar a cotação do dólar. Com isso, o Banco Marka, que estava comprometido no mercado futuro de entregar US$1,2 bilhão com uma cotação menor, não tinha dinheiro para quitar a dívida. O Banco Central (BC), então, vendeu ao Marka dólares numa cotação inferior à do mercado - R$1,27, contra R$1,32. Assim, o Marka conseguiu cobrir um buraco de R$30 milhões, com a ajuda do BC, e o banco fechou as portas. O prejuízo aos cofres públicos é estimado em R$1,05 bilhão.

Acusado de gestão fraudulenta, desvio de dinheiro público e corrupção, Cacciola passou 37 dias preso na carceragem no Ponto Zero, em Benfica, até junho de 2000. Foi quando conseguiu habeas corpus concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio de Mello. Em liberdade, fugiu para a Itália, onde ficou até ser detido anteontem, em Mônaco. Logo depois da fuga, o habeas corpus foi cassado, e novo pedido de prisão preventiva, expedido. Na Itália, Cacciola chegou a ser flagrado andando calmamente de lambreta por Roma, logo após a fuga, protegido pela cidadania italiana. Em 2005, foi condenado a 13 anos de prisão por peculato e gestão fraudulenta.