Título: Lula escapa para comer um leitãozinho espanhol
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 17/09/2007, O País, p. 3

Em entrevista ao jornal "El País", presidente disse que vai trabalhar para fazer sucessor.

MADRI. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está se especializando em "fugas". Depois de escapar da imprensa, no sábado, para pegar um trem até Toledo, onde fez turismo com dona Marisa, Lula repetiu a dose ontem: saiu pela cozinha de um dos mais luxuosos hotéis de Madri, o Westin Palace, para comer "um leitãozinho" em Segóvia, a 40 minutos da capital.

Desde sábado, Lula vinha dizendo que tinha direito "a um dia livre". Ontem, sua equipe trabalhou para isso.

- Não, não creio. Tem uma saída pela cozinha, mas só estrelas fazem isso. Nunca vi chefe de Estado sair pelos fundos - disse um porteiro do hotel.

Cinco minutos depois, a confirmação: Lula havia escapado. Quando voltou no final da tarde, o presidente brincou com fotógrafos que passaram o dia buscando-o pela cidade.

- Por que vocês não foram?

O domingo foi livre para o presidente e seus ministros, que se dispersaram por museus de Madri. Marta Suplicy, do Turismo, foi ao Reina Sofia; a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência, visitaram o Museu do Prado e o Reina Sofia.

Em Segóvia, Lula foi ao famoso restaurante Mesón de Cándido. Comeu um leitão, ou "cochinillo asado", do qual uma pata custa cerca de R$60. Lula estava acompanhado de dona Marisa, do embaixador José Viegas e sua mulher, Erika. Do restaurante, o presidente, de óculos escuros e vestido informalmente, andou até a fortaleza medieval de Alcázar.

No mesmo dia da folga do presidente, o jornal espanhol "El País" publicou uma entrevista na qual Lula disse querer trabalhar para fazer seu sucessor quando terminar seu mandato, em 2010, e garantiu que nunca vai abandonar a política.

- Não vou deixar a política porque a política está em mim há muitos anos - disse.

O presidente falou de economia, corrupção, gastos militares e meio ambiente. Lembrado que três ex-ministros que o ajudaram a chegar ao poder tiveram que sair por causa de escândalos de corrupção, Lula disse se sentir tranqüilo.

- Em primeiro lugar, porque estamos exercendo plenamente a democracia. Até agora, ninguém foi absolvido e ninguém foi acusado. Quem cometer erros vai pagar - disse.

O presidente disse que houve um tempo no Brasil em que as coisas eram varridas para debaixo do tapete: a imprensa não sabia, a polícia não investigava, a justiça não chegava.

- Agora, todo mundo, do mais humilde ao mais importante, tem que ter consciência de que, na vida pública ou privada, as pessoas têm que ter um comportamento respeitoso. Se erra, pagará por isso.

O jornal perguntou se o governo não poderia combater o desmatamento da Amazônia com mais eficácia. Lula disse que há nove mil anos o Brasil tinha 9% das florestas do planeta. Hoje, tem 29,5%. Segundo o presidente, o país tem 69% das florestas originais preservadas.

Sobre biocombustíveis e etanol, o "El País" lembrou as péssimas condições dos trabalhadores das plantações de cana-de-açúcar. O presidente reconheceu que "é um trabalho duro, quase desumano", e disse que se encontrou com empresários recentemente para discutir como "humanizar" o trabalho no campo.

O "El País" questionou sobre o orçamento de 10 milhões de euros que o Brasil destinou para gastos militares, como a fabricação de mísseis e o relançamento do programa nuclear. O presidente disse que o orçamento é pequeno e que há duas vezes mais militares na reserva do que na ativa.