Título: A PM pode fazer mais que prevenção
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 17/09/2007, O País, p. 4

Novo secretário nacional de Segurança defende mais autonomia para policiais.

Depois de ajudar a botar um grupo de bicheiros na cadeia e desbaratar a máfia dos sanguessugas no Congresso Nacional, o ex-procurador de Justiça do Rio de Janeiro Antônio Carlos Biscaia, com mandatos na Câmara, tem um novo desafio pela frente. Como secretário nacional de Segurança Pública, uma espécie de xerife da segurança no país, caberá a Biscaia administrar o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), o PAC da segurança, conjunto de medidas sociais e repressivas da violência orçado em R$6,7 bilhões. Em entrevista ao GLOBO na quinta-feira, Biscaia sustentou que não haverá resistência de governadores e prefeitos, mesmo de oposição, ao projeto. Disse ainda que pretende trazer de volta ao debate a criação da chama polícia de ciclo único, para evitar duplicidade de trabalho entre as polícias Civil e Militar - a que gostaria de dar mais autonomia.

Jailton de Carvalho

Será mesmo possível cumprir a meta do Pronasci de reduzir de 30 para 12 mortes por cada grupo de cem mil habitantes?

ANTÔNIO CARLOS BISCAIA: Não é uma política de resultados de curto prazo. Nem é um política que queira resultados espetaculares de uma hora para outra. Tem-se consciência da complexidade do tema. Ela vai ser implantada e espera-se que, em quatro anos, os índices estejam reduzidos a esses patamares. As políticas vão ser implantadas tendo como objetivo esta juventude de 16 a 29 anos. Comprovadamente, o jovem adulto é o maior agente e vítima da violência. Os programas sociais vão procurar conquistar esses jovens para a cidadania com o apoio das mães, com bolsas de valores considerados pequenos.

Por que as pessoas deveriam acreditar que, desta vez, este programa de segurança vai dar certo?

BISCAIA: O programa tem um caráter de permanência nas áreas visadas. Não é simplesmente entrar com uma política de repressão, que pode conter a violência e, em seguida, o Estado abandona aquela área. A violência acabaria recrudescendo. Espera-se que, depois de uma repressão qualificada, os programas sociais sejam implantados e, com isso, se consiga evitar que a juventude seja cooptada pelas organizações criminosas, como acontece até hoje.

Há outra proposta sendo preparada pela Senasp?

BISCAIA: Vamos colocar em discussão alguns temas polêmicos. Por exemplo: uma polícia de ciclo único. Essa é uma questão polêmica, que sempre provoca discussões acaloradas, quase agressões. Mas não vejo por que, a nível estadual, se queira manter o atual modelo em que a Polícia Militar não pode realizar atos além da prevenção.

O senhor está falando da unificação das polícias?

BISCAIA: Não. Tem que buscar uma unidade na formação, na inteligência e na fiscalização. Estudar uma forma para que, quando a PM prender alguém, faça o registro da ocorrência. Por que a PM prende e tem que ficar o dia inteiro esperando a Polícia Civil lavrar o flagrante? Por que não pode lavrar o flagrante? Tem que ampliar as possibilidades. É um tema para discussão. Não é uma posição fechada. O tema tem que ser debatido com profundidade, o que é melhor para a sociedade, sem visão corporativa.

A execução do Pronasci dependerá de governadores e prefeitos. Como o governo vai convencê-los a aderir?

BISCAIA: Nada será implantado sem que haja a aprovação dos governos estaduais e municipais. O governo federal não tem competência legal para impor nenhum tipo de política de segurança pública a estados e municípios. Serão celebrados convênios com os estados. Nesses convênios serão estabelecidas condicionalidades. Além das dotações ordinárias, o Fundo Nacional de Segurança vai continuar com seus repasses. São recursos específicos, R$1,3 bilhão, para a segurança pública.

Sim, mas e os de oposição?

BISCAIA: A disposição do ministro Tarso Genro, e também a minha, é que segurança não é um tema que terá qualquer tratamento político. Isso é inaceitável. Hoje, segurança é uma questão de Estado. Participei de reuniões em São Paulo, por exemplo. Havia alguma dúvida sobre a ação. Mas, quando ficou claro que o comando da ação é das autoridades estaduais, mudou-se a disposição. O mesmo no Espírito Santo. Não tenho dúvida de que isso acontecerá também em Pernambuco, com Eduardo Campos (PSB); no Paraná, com Roberto Requião (PMDB); e no Distrito Federal, com José Roberto Arruda (DEM). Não temos dúvida de que a adesão existirá. O ministro está celebrando hoje (quinta-feira) o primeiro convênio de adesão com a governadora do Rio Grande do Sul (Yeda Crusius) que, como se sabe, é do PSDB.

O que fazer para que esse programa não se transforme numa política clientelista?

BISCAIA: Tem que evitar esse risco de que as pessoas se acomodem com mais uma ajuda de bolsa e não alcancem seus objetivos. É o permanente monitoramento dos gabinetes de gestão. Terei muito rigor nisso. Estou em contato com o Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União. A Fundação Getulio Vargas vai monitorar os resultados.

Quando saem os primeiros convênios e as primeiras liberações de recursos do Pronasci?

BISCAIA: O primeiro está sendo celebrado em Porto Alegre. Convênio significa adesão. No Rio, está praticamente tudo acertado. Daqui para o fim do ano, teremos repasses para alguns programas com o descontingenciamento de R$480 milhões. Agora, efetivamente a partir de janeiro, os recursos já estão com previsão orçamentária. Depois da adesão, os programas são oferecidos. Os governos estaduais é que vão eleger o que convém.

Quanto ao Rio, quando começam as liberações de recursos?

BISCAIA: Estou indo ao Rio para tratar disso. O Rio, dentre as 11 regiões, é aquela que terá, como o entorno de Brasília, atenção especial. Vamos acertar a liberação dos recursos necessários. A idéia era aprovar e liberar os recursos para 11 presídios no novo modelo ainda este ano. Existem também recursos para o laboratório contra a corrupção e lavagem de dinheiro. Além disso, vamos decidir o destino dos 1.800 carros do Pan, que serão doados. Um contingente maior vai ficar no Rio. Há também 14 helicópteros, que foram solicitados por 27 estados. Um equipamento de inteligência utilizado no Pan também vai ficar no Rio.

O ministro Tarso Genro falou sobre a criação de uma sala-situação, para casos graves. Já se conversou com o governador Sérgio Cabral?

BISCAIA: O ministro lançou a idéia e pediu que eu fosse fazer contato para apresentar a idéia, que só pode ser executada se contar com a aprovação do governador. Mas li nos jornais uma manifestação favorável do governador. Então, vamos decidir isso de imediato.

Como funcionará essa sala-situação?

BISCAIA: Ela é mais um manifesto declarado de apoio do governo federal para uma política de segurança pública a ser desenvolvida no Rio. As autoridades estaduais, nessa sala-situação, estarão acompanhando medidas de ação policial e o governo federal, participando dela, manifesta disponibilidade de colaboração integral. Quando há um fato como o do trem com os dois ministros (atacado a tiros por traficantes do Jacarezinho), imediatamente se faz não só a análise concreta em tempo real como se preparam as ações que se desdobram.

O senhor assistiu ao filme "Tropa de elite"?

BISCAIA: Não costumo ver fita pirata. Sei que está circulando aí, mas não vi. Não adquiro nada em camelô. Quero ver no cinema. É um belo estudo para a situação do Rio de Janeiro.

O filme fala sobre a corrupção policial, não é?

BISCAIA: Essa é uma questão preocupante. O Pronasci tem propostas de maior controle quanto a isso. A gente sabe que não é uma questão que deve ser vista de maneira generalizada. Mas, lamentavelmente, segmentos de forças policiais mantêm ligações com o crime organizado. Isso tem que ser enfrentado.

O filme traria uma crítica a pessoas da classe média, que consomem drogas e que estariam financiando o crime. O senhor pensa assim também?

BISCAIA: Sempre defendi isso. Acho hipócritas algumas passeatas contra a violência que ocorrem na orla do Rio. Delas participam pessoas que, no dia anterior, consumiram drogas. E, lógico, o consumo de drogas favorece o aumento do narcotráfico, hoje um foco de violência, que desencadeia várias outras. O usuário querer dizer que não tem responsabilidade no avanço do narcotráfico é um equívoco.

Alguns especialistas dizem que, como não existem sociedades sem drogas, não existe a possibilidade da erradicação das drogas. Então, como lidar com o problema?

BISCAIA: Não tenho posição favorável à liberação. Conheço a realidade de alguns países que adotaram posições como essa e, depois, retrocederam. Tive oportunidade de conhecer algumas experiências na Holanda.

E a liberação da maconha?

BISCAIA: São questões diferentes: discutir a descriminalização e a liberalização. Sou radicalmente contra a liberalização. A descriminalização de algumas condutas tem que ser discutida. Estamos avançando nesse sentido. Hoje, a posse para consumo próprio já não tem pena privativa de liberdade. A legislação está sendo aprimorada. Agora, os países que liberaram tiveram conseqüências desastrosas. Inclusive em Zurique, uma praça se tornou o centro de atração de toda a Europa, provocando problemas da maior gravidade.