Título: Vidas comprometidas
Autor: Couto, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 14/04/2009, Brasil, p. 8

Processos por erros médicos tramitando no STJ praticamente triplicaram desde 2002. Conselho Federal de Medicina atribui situação à falta de condições de trabalho e à má formação dos novos profissionais

Neide e a filha Iléia, hoje com 29 anos: erro na anestesia durante cesariana deixou a jovem paraplégica e com grave lesão cerebral

Carlos Moura/CB/D.A Press - 3/3/09 ´´O profissional médio brasileiro tem vários empregos e não tem tempo adequado para se atualizar tecnicamente e cientificamente`` José Gomes Temporão, ministro da Saúde A falta de condições de trabalho, a baixa remuneração, o estresse, o excesso de escalas e a má formação dos novos médicos ¿ ocasionada principalmente pelo grande número de estabelecimentos de ensino, estimado em 176 (entre públicos e privados) ¿ são apontados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) como as principais causas do crescimento dos erros médicos no Brasil. De 2004, quando foram registrados 30 casos no CFM, até 2008, 122 processos passaram pela autarquia (veja quadro). Os casos que chegam até o conselho já passaram pelos conselhos regionais de medicina. Segundo o vice-presidente do CFM, Roberto D¿Avila, se comprovado, o erro médico pode resultar em punições que vão de advertências à cassação do direito de exercer a profissão.

As vítimas também têm procurado a Justiça comum. Nos últimos seis anos, o número de processos por erro médico recebidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) cresceu pouco menos de 300%. De 2002 até hoje, o total de ações que tramitam na Corte passou de 120 para 471.

O vice-presidente do CFM atribui os erros a uma série de fatores, constatados em estudos elaborados pela autarquia. As falhas dos profissionais estão associadas à negligência, imprudência e imperícia. Uma das principais causas para os erros citados por D¿Avila é a desvalorização da profissão no país, o que obriga o médico a trabalhar em até quatro empregos simultâneos. ¿Além disso, o Brasil, com uma população de aproximadamente 190 milhões de habitantes, é o segundo colocado em todo o planeta em número de faculdades de medicina. Só perdemos para a Índia. A diferença é que lá eles formam profissionais que vão atender mais de 1 bilhão de habitantes¿, afirma, lembrando que as novas faculdades deixam a desejar na formação humanista dos médicos.

Em entrevista ao Correio, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, também reconhece a baixa remuneração dos médicos. ¿O profissional médio brasileiro tem vários empregos e não tem tempo adequado para se atualizar tecnicamente e cientificamente¿. De acordo com o ministro, os baixos salários levam os médicos a assumirem outros vínculos e a trabalharem em vários plantões e escalas. ¿Ele não segue o doente e não tem ideia da sua intervenção. Além disso, o paciente percebe uma baixa qualidade no sistema, porque cada vez que ele busca atendimento é um profissional diferente que o recebe, com uma outra abordagem. Além do impacto negativo no exercício da profissão do médico, isso também reflete negativamente na vida do doente, que não consegue ter um vínculo com a equipe médica. E o programa Saúde da Família vem exatamente propor uma mudança nesse padrão, quando se estabelece um grupo formado por médico, enfermeiro e agente comunitário de saúde, que são responsáveis por acompanhar um conjunto de famílias¿, explica. Segundo Temporão, 50% dos médicos que atuam no país não fazem residência médica. ¿O que por si só já é um problema¿, acrescenta.