Título: Esqueletos
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 18/09/2007, O Globo, p. 2

Agora são os escândalos do passado que retornam. A prisão de Salvatore Cacciola revive o caso Marka-Fonte-Cindam, bancos que, na mudança cambial de 1999, foram graciosamente socorridos pelo Banco Central, que lhes vendeu dólares ao preço anterior à mudança. Com esse esqueleto da era tucana, o governo Lula pode até faturar. Mas a dissecação do chamado "valerioduto mineiro" ameaça um ministro importante como Walfrido dos Mares Guia, se seu nome for arrolado na denúncia que o procurador-geral Antonio Fernando fará nos próximos dias ao STF.

Diz a narrativa que em 1998, na campanha do então governador Eduardo Azeredo, hoje senador, ao governo de Minas, Marcos Valério montou o esquema de financiamento de campanha com recursos públicos desviados que viria, mais tarde, a operar em escala maior com Delúbio Soares, do PT, para financiar campanhas do PT e de aliados, o chamado mensalão. Mares Guia, então vice de Azeredo, foi acusado de ser o gestor financeiro da campanha. Com a divulgação do relatório de investigações da Polícia Federal pelo site Consultor Jurídico e uma reportagem da revista "IstoÉ", o ministro conversou ontem com outros auxiliares do presidente Lula e fez chegar a ele que está absolutamente tranqüilo, nada deve e nada teme. Se tivesse alguma insegurança, mandou dizer a Lula, tomaria a iniciativa de se afastar do governo. Em vez disso, a seu pedido, terá hoje um encontro com o procurador-geral, para antecipar informações sobre seu papel naquela campanha, em que atuou como coordenador político.

- Vou dizer ao procurador que minha vida é aberta e limpa, não há mistério nem pontos obscuros em minha trajetória política nem na origem do meu patrimônio. A empresa educacional de minha família, a rede Pitágoras, é antiga, sólida e tradicional, hoje tem ações bem cotadas na Bolsa. O próprio senador Azeredo, por quem tenho amizade e respeito, já negou que eu tenha sido tesoureiro de sua campanha - diz o ministro.

Mares Guia admite que emprestou R$500 mil ao senador para pagamento de empréstimo contraído na campanha.

Do procurador e dos ministros do STF espera-se o mesmo rigor adotado em relação à denúncia contra petistas e aliados. Já no âmbito político, não é provável que a oposição queira explorar o assunto. Para atingir um ministro de Lula, teria que envolver o senador tucano Azeredo, que já teve a denúncia arquivada pelo Conselho de Ética do Senado em 2005.

O escândalo Marka-Fonte Cindam teve o hoje senador petista Aloizio Mercadante como seu principal denunciador. Os dois bancos foram socorridos pelo Banco Central na virada cambial, com a venda de dólares a preço camarada, sob o argumento de evitar "risco sistêmico". O prejuízo ao erário foi de R$1,5 bilhão.

Antes disso, e por longo tempo, o banco de Cacciola teria lucrado por receber informação privilegiada sobre taxa de juros, mas isso nunca se provou. A ex-diretora de Fiscalização do BC Tereza Grossi, que autorizou a operação cambial especial, foi condenada, por peculato, a seis anos de prisão. Ontem, o ministro da Justiça, Tarso Genro, dizia que, se for preciso, irá pessoalmente a Mônaco, negociar a entrega de Cacciola ao Brasil. Um sinal de que o governo planeja faturar com esse esqueleto.

Embora ele negue, a prisão de Cacciola deve deixar embaraçado o ministro do STF Marco Aurélio Mello, um dos baluartes éticos da corte. Foi uma liminar dele que permitiu a fuga de Cacciola para a Itália. O ministro diz que, naquela época, Cacciola "era apenas um acusado", sem culpa formada ainda, não devendo, por isso, estar preso. Todo preso "tem um direito, que reputo natural", à fuga, diz Marco Aurélio.