Título: A ralé da tropa
Autor: Motta, Claúdio e Vasconcellos, Fábio
Fonte: O Globo, 18/09/2007, Rio, p. 10

A POLÍCIA QUE NÃO QUEREMOS

Presos 52 PMs, quase a décima parte de um batalhão, por envolvimento com o tráfico.

Cinqüenta e nove policiais - quase 10% do efetivo do 15º Batalhão de Polícia Militar (Duque de Caxias), que tem 617 PMs - estão sendo acusados de envolvimento com traficantes de drogas de Parada Angélica, em Imbariê, Caxias. Uma investigação sigilosa da 59ª DP (Caxias), que durou sete meses e interceptou cerca de 430 horas de ligações telefônicas, revelou que os 59 soldados, cabos e sargentos recebiam, semanalmente, propina para não fazer operações naquelas áreas ou para dar cobertura para traficantes. Sessenta e seis mandados de prisões provisórias - 59 contra PMs e sete contra traficantes - foram expedidos pela Justiça. Até a noite de ontem, a Operação Duas Caras havia prendido 52 PMs (nenhum deles oficial) e cinco bandidos.

Foi a investigação que resultou no maior número de prisões de policiais de um único batalhão, segundo o chefe do Estado-Maior da PM, coronel Samuel Dionísio. A investigação começou em 14 de fevereiro, quando o delegado-titular da 59ª DP, André Drumond, pôs em prática uma operação para identificar e desarticular quadrilhas de traficantes da região. Policiais do Setor de Investigações da delegacia entraram no caso e as identificações de "mulas" (pessoas que transportam pequenas quantidades de droga), de "vapores" (quem vende a droga no varejo) e dos chefes do tráfico começaram a ser feitas.

Uma testemunha ajudou na revelação do esquema de pagamento de propina e na identificação de alguns policiais, conhecidos por apelidos. Interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça criminal de Caxias passaram a desvendar o esquema. Há fotos e imagens com flagrantes de extorsão. No esquema, PMs eram identificados por apelidos, como Velha Guarda, Wolverine, Magia e Sedex. Os apelidos serviam de senha. A propina semanal só era paga se o PM telefonasse para um traficante e dissesse seu apelido.

- Começamos a identificar policiais que cobravam dinheiro dos traficantes. Eram quantias diferenciadas, semanais, porque havia grupos que atacavam mais. As quantias variavam de R$ 2 mil a R$3.900 por semana - contou o delegado. - Nosso objetivo ainda não foi completado. A idéia era prender uns 120 policiais, entre militares e civis. Mas ainda não conseguimos todas as provas.

Em Roma, Cabral defende operação

André Drumond afirmou que as investigações vão continuar e que alguns resultados serão revelados em pouco tempo. Ele não descartou a possibilidade de envolvimento de oficiais da PM no esquema.

- As investigações continuam. Por enquanto, revelamos que PMs até prendiam pessoas e forjavam o porte de drogas para conseguir propina. Eles chegaram a prender alguns traficantes que eram nossos alvos e os libertaram. Mas achamos melhor investigar mais.

O governador Sérgio Cabral comentou as prisões durante palestra para convidados na embaixada brasileira em Roma, sendo muito aplaudido.

- Realmente é uma operação muito importante, em que a nossa polícia investiga a nossa polícia. Em que os nossos PMs e policiais civis sérios e honestos estão trabalhando para limpar a polícia. Eu diria que o policial que está ligado ao tráfico é mais criminoso que os próprios criminosos. Esse tipo de delinqüente com farda tem que ser afastado. É muito importante repetir que temos confiança na nossa polícia. Os maus policiais serão sempre tratados dessa maneira.

A operação desencadeada ontem contou com a participação de cem policiais da Corregedoria Geral da PM, do Serviço de Investigações da Polícia Militar e de seções de Assuntos Internos de alguns batalhões. Cinco traficantes e 52 policiais foram presos, alguns quando saíam ou chegavam ao batalhão. O corregedor da PM, coronel Paulo Ricardo Paúl, disse que os sete policiais que ainda não foram presos têm nove dias, a contar de ontem, para se apresentar.

- Caso isso não aconteça serão considerados desertores e terão seus soldos cortados. Vamos aguardar cópia do inquérito para identificar o que é crime militar, o que é crime comum. Sendo comum, podemos instaurar sindicância administrativa disciplinar para avaliar, eticamente, se eles podem ou não continuar na corporação - disse Paúl, informando que, de 2005 até hoje, 553 PMs foram expulsos. - Eles serão submetidos a um Conselho de Disciplina. Terão todos os direitos constitucionais respeitados. Sabemos que muito menos do que 10% de policiais expulsos conseguem retornar à PM.

O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, admitiu que a prisão de 59 PMs afetará o policiamento em Caxias:

- Sem dúvida nenhuma isso vai trazer um problema porque já temos poucos policiais. Temos que fazer um remanejamento - disse Beltrame. - Infelizmente, temos o envolvimento de servidores com o crime, seja na Polícia Civil, seja na PM.

Os policiais presos passaram o dia no 15º BPM. Amigos e parentes de PMs movimentaram o batalhão. Eles levavam bolsas com roupas e saíam de lá com fardas dos detidos. De acordo com o advogado Ivo Perassolli, que disse representar dez PMs presos, policiais cuja eficácia foi reconhecida com prêmios foram denunciados por pessoas ligadas a traficantes:

- Meus clientes ficaram surpresos. Eles fazem parte da melhor equipe do batalhão e receberam diversos prêmios de honra ao mérito. Um deles está entre os cem melhores policiais do estado. Pessoas ligadas ao tráfico se aproveitaram para acusar bons policiais. É muito fácil apontar pessoas na hora de fazer reconhecimento.

Foi preciso um ônibus do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cefap), que ficou lotado, para levar os policiais presos, às 16h45m. Eles se escondiam com toalhas e bolsas, enquanto PMs de Caxias faziam um cordão de isolamento. Após a saída do veículo, a rua foi fechada, impedindo, por pelo menos de dez minutos, a passagem de jornalistas que cobriam o caso. Cerca de 20 minutos depois, os policiais chegaram ao 21º BPM (Vilar dos Teles), onde fizeram exame de corpo de delito. Somente às 19h30m o grupo chegou ao Batalhão Especial