Título: Ação e percepção
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 19/09/2007, O País, p. 4

Recente pesquisa do instituto de opinião Ipsos, divulgada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", anda provocando irritação nos tucanos. Ela revela que, na percepção do eleitorado brasileiro, deve-se a estabilidade econômica ao governo Lula, sendo uma das três melhores coisas de sua gestão. As outras são o Bolsa Família, considerada a melhor, e a ajuda aos pobres. A pesquisa é devastadora para o PSDB como organização política, pois demonstra sua incapacidade de convencer o eleitorado das coisas boas que realizou nos oito anos de Fernando Henrique Cardoso, ao mesmo tempo em que mostra que o PT é um especialista em assumir como suas as conquistas de outros. Para quem não é tucano ou militante político, essa percepção só incomoda por demonstrar que a falta de informação, ou a incapacidade crítica, torna os eleitores manipuláveis por lideranças populistas.

Mas a percepção não é tão absurda assim, pois é inegável o empenho do governo Lula pela estabilidade econômica a partir de 2003, embora tenha sido o passado petista o culpado pelo temor que tomou conta do mercado financeiro, fazendo com que a inflação saísse do controle em 2002.

A boa notícia é que a estabilidade econômica já é considerada uma patrimônio do povo brasileiro, que não quer abrir mão dela. Isso é o que importa para o país, e é louvável que o governo Lula tenha percebido esse valor a ponto de desmentir tudo o que pregava anteriormente. Da mesma maneira que é criticável a incapacidade do PSDB de transformar em ativo político suas realizações.

Em 2002, na campanha presidencial, o então candidato José Serra procurou ao máximo distanciar-se do presidente Fernando Henrique e seus feitos, certo de que o clima de mudança predominava no eleitorado brasileiro e era preciso garantir "continuidade sem continuísmo" para ter sucesso eleitoral.

Já naquela altura, os programas assistenciais que o governo Ferrnando Henrique havia implantado, como Bolsa Escola, vale-gás e outros, a chamada "rede de proteção social", se bem explorados poderiam render resultados eleitorais, tanto que o único estado em que Serra venceu foi Alagoas, onde estavam concentrados os maiores esforços dos programas sociais do governo.

E o estado em que ele teve a pior derrota foi o Rio de Janeiro, onde o governo federal não atuou por problemas políticos com o então governador Garotinho. Mas, em nenhum momento da campanha, Serra se utilizou dos programas assistenciais do governo. O que, se revela uma posição política austera, mostra também uma dificuldade de comunicação com o eleitorado. Assim como, em 2006, Alckmin ficou com vergonha de defender o programa de privatizações e caiu na armadilha de Lula no segundo turno, que politizou a questão, mesmo que seu governo defendesse as Parcerias Público-Privadas, uma privatização envergonhada, e tivesse aprovado um projeto de exploração privada da Amazônia.

O governo Lula, ao unificar os diversos programas assistenciais já existentes e ampliar a sua abrangência com o Bolsa Família, criou um valor agregado à ação social do seu governo que hoje é seu maior capital político, mesmo que seja uma ação paliativa que não altera de maneira permanente as estruturas sociais. E que o custo do assistencialismo exacerbado seja prejudicial ao desenvolvimento sustentado.

O PT é tão competente na arte de assimilar iniciativas dos outros que até mesmo o mensalão nada mais é do que o aperfeiçoamento de um esquema que tem raízes na campanha de Eduardo Azeredo, do PSDB mineiro, a governador em 1998, como se vê agora.

Elaborado pelo delegado Luiz Flávio Zampronha, o relatório da Polícia Federal denuncia uma "organização criminosa", cujo operador era o mesmo Marcos Valério do mensalão e cujo coordenador era o hoje ministro das Relações Institucionais, Mares Guia.

Zampronha afirma que "tratava-se de fundos públicos desviados das administrações direta e indireta do Estado de Minas e de valores repassados à coligação eleitoral por empresários, empreiteiros e banqueiros com interesses econômicos junto ao poder público daquela unidade da Federação".

Mas, à diferença do verdadeiro mensalão, o esquema utilizado em Minas era mesmo um supercaixa dois para financiar a campanha eleitoral do governador e de uma coalizão de 17 partidos. Na versão aperfeiçoada petista, segundo denúncia aceita pelo Supremo Tribunal Federal, a quadrilha tinha "como principal objetivo garantir a continuidade do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores (PT)". E a corrupção ativa "tinha como um de seus objetivos as votações pelos beneficiados em favor de projetos de interesse do governo", como os projetos da Reforma da Previdência (PEC 40/2003) e da Reforma Tributária (PEC 41/2003).