Título: De olho na crise, Fed dá alívio
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Fonte: O Globo, 19/09/2007, Economia, p. 25

TREMOR GLOBAL

Após mais de 4 anos, BC americano reduz juros em 0,5 ponto e leva euforia às bolsas

WASHINGTON, NOVA YORK e RIO

O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) reduziu ontem os juros básicos dos Estados Unidos em meio ponto percentual, para 4,75% ao ano, na tentativa de conter uma desaceleração da economia, que foi agravada pela crise do crédito nos mercados. Foi o primeiro corte desde junho de 2003 e o maior desde novembro de 2002. Os analistas estavam divididos entre 0,25 e 0,5, mas a maioria ainda apostava em corte menor. Com isso, quando o Fed anunciou sua decisão ontem, ficou claro para os mercados que ele optara por uma postura mais agressiva. As bolsas reagiram com otimismo. O Índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, subiu 2,51%, sendo que o ganho em pontos foi o maior desde 15 de outubro de 2002. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) subiu 4,33%, a segunda maior alta do ano.

O Fed também cortou em 0,5 ponto sua taxa de redesconto para empréstimos bancários, para 5,25%. Com isso, ontem mesmo os bancos começaram a reduzir suas taxas, para uma média de 7,75%, o que diminui, por exemplo, os juros do cartão de crédito. Também serão beneficiados os mutuários que têm hipotecas com taxa variável. No ano que vem, estima-se que dois milhões de pessoas enfrentarão mudanças em suas hipotecas.

Inflação preocupa e petróleo é risco

Os membros do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) deixaram claro, em seu comunicado, que decidiram reduzir os juros por causa dos riscos à economia. "As condições restritivas de crédito têm o potencial de intensificar a correção do mercado imobiliário e restringir o crescimento econômico de maneira mais ampla".

Teme-se que a desaceleração no mercado imobiliário leve os EUA a uma nova recessão. Alguns dados divulgados ontem reforçam esse termor. O índice da Associação Nacional da Construção Civil, que mede a confiança dos empresários do setor, recuou de 22 para 20 este mês, o menor nível desde janeiro de 1991 - um ano de recessão. Além disso, o número de execuções imobiliárias por inadimplência subiu 36% em agosto frente a julho e dobrou em relação a agosto de 2006. Edward Leamer, diretor da UCLA Anderson Forecast, estima as chances de recessão entre 30% e 35%. Ele disse à rede CNN que o Fed não deveria tentar salvar o mercado imobiliário, e sim tentar restringir a crise ao setor.

O Fed ressaltou, no entanto, que a inflação ainda é uma preocupação, apesar de o índice de preços no atacado ter recuado 1,4% em agosto. O comunicado afirmou que persistem riscos de inflação e que o Fed vai monitorar a evolução dos preços. Um risco é a alta do petróleo, que ontem bateu recorde histórico.

Segundo Alfredo Coutino, economista sênior para a América Latina da Moody"s, em Nova York, o corte foi agressivo. Mas ele afirma que, apesar do alívio para os mercados e os mutuários, isso não vai resolver a crise imobiliária, que depende de medidas do governo americano e da relação entre os bancos e seus clientes. Na próxima reunião do Fed, em 31 de outubro, Coutino espera corte de 0,25 ponto, o que levaria os juros básicos para 4,5%, como em janeiro de 2006:

- A redução dos juros pode provocar alta na inflação, por isso o Fed pode, já no ano que vem, voltar a aumentar as taxas.

Na opinião de Robert Wood, gerente de risco soberano da Economist Intelligence Unit (EIU, braço de análise da revista "The Economist"), ainda é cedo para saber de que forma a decisão do Fed vai influenciar o consumo, o mercado imobiliário, o emprego e a inflação dos EUA. Mas Wood acredita que o corte vai beneficiar os investidores imprudentes, já que o juro menor aumentará a liquidez.

- O corte foi muito agressivo. O fato de a decisão ter sido unânime indica que há uma preocupação com o crescimento da economia. O comunicado indica que pode não ter sido o último corte. Mas ele deixou isso em aberto. A próxima decisão vai depender de como a economia vai se comportar nas próximas semanas. Nossa estimativa era de corte de meio ponto em duas reuniões, e não apenas em uma - afirma Wood.

Casa Branca não vê risco de recessão

Para Lisa Schineller, diretora-executiva da agência de classificação de risco Standard & Poor"s, a decisão do Fed reduziu mas não eliminou o risco de recessão, caracterizada por dois trimestres de retração na economia.

- Os EUA devem terminar o ano com um crescimento de 2%. A decisão do Fed mostra que há uma desaceleração da economia, mas não há a perspectiva de haver dois trimestres consecutivos negativos.

Lisa, que projeta crescimento de 2% também para 2008, classifica o corte de 0,5 ponto de "uma reação apropriada para o momento".

O governo americano acredita que a decisão do Fed vai ajudar o país a crescer e gerar empregos. O assessor econômico da Casa Branca, Edward Lazear, descartou uma recessão:

- Não é uma questão de se vai ser negativo; é uma questão de quão positivo o crescimento pode ser.

COLABORARAM Marília Martins, correspondente, e Bruno Rosa