Título: Defesa de Cacciola usará frase de Marco Aurélio
Autor: Farah, Tatiana e Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 19/09/2007, Economia, p. 31

Justiça de Mônaco decide manter ex-banqueiro preso até que seja concluída a análise do pedido de extradição.

SÃO PAULO, MONTE CARLO e BRASÍLIA. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello não foi consultado, mas sua declaração à imprensa servirá de defesa para o ex-banqueiro Salvatore Cacciola em Mônaco. Anteontem, Marco Aurélio disse que não se arrepende de ter concedido, em 2000, o habeas corpus que tirou Cacciola da prisão no Rio e permitiu que ele fugisse para a Itália.

- Já enviei as declarações do ministro em um relatório a Mônaco. Será parte da documentação da defesa de Cacciola - informou o advogado Carlos Ely Eluf, que representa o ex-banqueiro no Brasil.

Eluf disse que não entrou em contato com o ministro para informá-lo sobre a remessa de jornais com suas declarações.

- São públicas - alegou.

Marco Aurélio não foi localizado pelo GLOBO para comentar a estratégia da defesa. Anteontem, a jornalistas, o ministro do STF disse:

- Sustento que o acusado, enquanto a culpa não está formada mediante um título (sentença) do qual não caiba mais recurso, tem o direito natural de realmente fugir.

Ontem, a Justiça de Mônaco, por meio da procuradora-geral do principado, Annie Brunet-Fuster, informou que pretende manter Cacciola preso até que seja concluída a análise do pedido de extradição, prestes a ser formalizado pelo Brasil. Cacciola ouviu a decisão do juiz numa audiência da qual participaram a advogada que o representa, a italiana Alesandra Monche, e um profissional monegasco, como manda a legislação do principado. O ex-banqueiro chegou algemado e de camburão ao Palácio de Justiça.

O anúncio em Mônaco reforça a impressão de que as autoridades locais parecem dispostas a usar o caso de Cacciola como exemplo de compromisso de combater a presença de criminosos no mais famoso paraíso fiscal do mundo.

Decisão final caberá ao príncipe Albert

A audiência foi a segunda à qual Cacciola teve de se submeter desde sua prisão, ocorrida no sábado. Na sessão, Alesandra não apresentou pedido de liberdade para Cacciola, algo que surpreendeu a procuradora Annie. Eluf confirmou que não foi pedida a libertação de seu cliente, mas, segundo o Ministério da Justiça brasileiro, o juiz teria rejeitado um pedido de relaxamento da prisão.

Na entrevista coletiva à imprensa brasileira, a procuradora-geral de Mônaco rechaçou o argumento de Eluf de que o regime de isenção fiscal em Mônaco impossibilitaria a extradição de seu cliente:

- Há grande diferença entre questões fiscais e financeiras.

Segundo ela, Cacciola e seus advogados ainda têm direito a fazer quantos pedidos de libertação queiram. A continuação do processo, disse, depende agora das autoridades brasileiras, e poderá levar cerca de duas semanas. Assim que o dossiê com as acusações contra Cacciola for entregue à Justiça de Mônaco, o processo será enviado ao Tribunal de Recursos, a quem cabe avaliar os argumentos em prol da extradição - o principado não tem tratado com o Brasil, mas, por ser signatário da Convenção Internacional da Interpol, pode aceitar o pedido.

A decisão final caberá ao príncipe Albert, que, segundo fontes do Ministério das Relações Exteriores de Mônaco, estaria disposto a reforçar o empenho pela boa imagem internacional do principado.

- Mônaco, por vezes, tem recebido uma reputação injusta, e considero este caso um exemplo de como levamos a sério o combate ao crime - afirmou a procuradora-geral.

A decisão de Mônaco foi vista com bons olhos pelo Itamaraty e pelo Ministério da Justiça. O ministro Tarso Genro entendeu o despacho do juiz como um sinal favorável à extradição.

- O ministro ficou muito satisfeito com a decisão e reafirmou que, se for necessário, pode viajar a Mônaco ou enviar um representante do ministério - afirmou um auxiliar.

O otimismo da equipe de Genro foi reforçado pelo relato da ministra-conselheira da embaixada em Paris, Maria Laura da Rocha, única representante de Brasília no principado, que foi recebida ontem pela procuradora-geral. Segundo fonte da área diplomática, há sinais de que as autoridades de Mônaco estão dispostas a colaborar com o governo brasileiro, "desde que cumprida a legislação local", que prevê, entre outras medidas, prazo de 20 dias, prorrogáveis por igual período, para a apresentação dos documentos justificando a extradição.

Genro disse na segunda-feira, e reafirmou ontem, por meio de sua assessoria de imprensa, que cumprirá as exigências num prazo bem mais curto. Segundo seus auxiliares, deve encaminhar o pedido formal de extradição até sexta-feira.

- Vamos vencendo uma etapa de cada vez - afirmou o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior.

Uma fonte destacou que, mesmo sem acordo de extradição, um tratado com compromisso de reciprocidade do Brasil para demandas futuras do principado ajudará no entendimento, como Tuma já antecipara.

(*) Enviado especial

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