Título: Vitória cara
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 20/09/2007, O Globo, p. 2

A Câmara era ontem uma colméia em ebulição, ensaiando a votação da emenda que prorroga a cobrança da CPMF até 2011. Depois dela, talvez o governo jamais volte a precisar tanto do Congresso. Por isso, no zumbido do plenário era possível ouvir, além do alarido obstrucionista da oposição, as cobranças de aliados do governo por nomeações, liberação de verbas e até relatorias de matérias específicas. Nestas horas, o sistema expõe suas garras.

Para vencer a obstrução, o governo acabou revogando duas medidas provisórias, entre elas uma que socorria setores produtivos asfixiados pela competição externa, como o moveleiro e o calçadista. E isso lhe rendeu desgaste. Para atender aos aliados, sabe-se lá o que foi concedido. Na última quinzena, segundo o líder democrata Onyx Lorenzoni, o governo liberou mais de R$77 milhões em emendas, mas parece que foi pouco. Mas no início da noite, a um custo elevado, o governo estava seguro de que aprovaria a CPMF no correr de uma sessão-maratona.

A carga tributária é alta, a CPMF é antipática mas sabem todos, de um lado e de outro, que a supressão dela comprometeria o financiamento da saúde, dos programas sociais e da Previdência. Mesmo assim, trataram todos de lucrar: a oposição, marcando pontos com a classe média; parte dos governistas, arrancando favores a fórceps.

Nesta hora em que se apresenta tão exitoso, tanto na gestão macro-econômica como na produção de mudanças sociais tão expressivas, como as reveladas pela Pnad-2006 e ontem por estudo da FGV sobre a significativa redução da pobreza entre 2005 e 2006, o governo Lula não pode ser perdoado por ter, tal como o de Fernando Henrique, negligenciado o patrocínio e aprovação de uma reforma política logo depois da reeleição gloriosa de Lula por 60 milhões de votos. Uma reforma efetiva, para contornar a disfunção que permite a sobrevivência do fisiologismo: a busca de uma maioria que o presidente eleito, qualquer um, no sistema atual, jamais vai conquistar nas urnas. E para construí-la já no governo, tem que fazer concessões que comprometem a eficácia administrativa e a probidade. E geram escândalos. O governo de Lula pratica o fisiologismo, e é mais cobrado por isso, pois afinal, o PT um dia prometeu acabar com estas práticas. Mas os tucanos também prometeram inaugurar outros métodos e foram igualmente sugados pela engrenagem, como recordava ontem, no café da Câmara, depois de ouvir os zumbidos no plenário, o deputado e ex-ministro Paulo Renato.

- Seria engraçado, se não fosse politicamente trágico, ver os mesmos partidos, as mesmas pessoas que nos tosquiavam, agora tosquiando eles.

No fumódromo, Genoíno e Miro Teixeira comentavam a mesma coisa: Lula, há dez dias, passara um sabão em alguns líderes da base, que vieram apresentar novos pedidos para garantir a CPMF. Pelo visto ontem, em vão. No plenário, o líder do governo, José Múcio, engrossou a voz com os mais assanhados.

Apontaram a Ciro Gomes um funcionário do governo que estava na Câmara para acertar a liberação de emendas.

- Estas coisas me deixam indignado! Mas a hipocrisia da oposição também me tira do sério.

E fazia as contas, mostrando que até o superávit primário de R$50 bilhões, um dos pilares da credibilidade econômica do governo, ficaria comprometido se o governo perdesse os R$40 bilhões da CPMF.

Na outra mesa, Paulo Renato continua a falar da perenidade do fisiologismo e do que fazer para garantir a maioria parlamentar no curso da eleição, libertando os governos da busca das coalizões pós-eleitorais. Defendeu o voto distrital, outro disse que o remédio é o parlamentarismo, para outro, o voto em lista, e como sempre, até na mera discussão faltou consenso. Mas um presidente que saiu tão forte das urnas poderia ter feito da reforma política uma prioridade sua. Lula resolveu que o assunto era do Congresso, nada saiu. Agora, aguente.