Título: O MEC não pode adotar postura de censor
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 20/09/2007, O País, p. 8

Ministro da Educação defende avaliação do livro didático e se mostra preocupado em não constranger autores.

O ministro da Educação, Fernando Haddad, defendeu ontem o sistema de avaliação do livro didático, mas admitiu que cogita tornar pública a lista de obras reprovadas. Hoje a lista é mantida em sigilo. Haddad ressalvou que teme arranhar a imagem dos autores. Ao comentar a distribuição pelo governo do livro "Nova História Crítica" (Editora Nova Geração), que apresenta conceitos maniqueístas sobre socialismo e capitalismo - como mostrou artigo do jornalista Ali Kamel anteontem - e ficará fora da lista de compras de 2008, o ministro disse que a avaliação pode conter imperfeições. Mas afirmou que o atual sistema é responsável pela melhoria das obras didáticas no país. Para Haddad, os livros devem suscitar o debate.

Demétrio Weber

O que o senhor acha do sistema de avaliação do livro didático?

FERNANDO HADDAD: O Ministério da Educação não pode, sob pena de cometer gravíssimo erro, adotar a postura de censor. Como garantir a qualidade do livro didático? Em educação, a avaliação que dá certo é a avaliação por pares (outros professores). Ela pode ter imperfeições, mas é melhor que qualquer outra forma de avaliação. Haja vista que, neste caso específico, não sei por que razão, a comissão reviu o seu julgamento de três anos atrás. É um processo natural de decantação de conceitos. Ninguém que conheça o programa deixa de reconhecer que o programa avançou muito em qualidade.

Como evitar que os alunos de 2007 estudem com livros excluídos da lista de 2008?

HADDAD: Essa pergunta é cabível, mas temos que analisá-la à luz dos procedimentos operacionais do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Não é simples entregar 150 milhões de livros didáticos. Os livros são pré-qualificados por uma comissão de especialistas e escolhidos pelos professores. Se for possível do ponto de vista operacional, não vejo nenhuma dificuldade.

Por que o MEC não divulga a lista de livros excluídos?

HADDAD: Em relação aos livros excluídos, basta comparar de um guia para o outro (os guias são editados a cada três anos). O dado é público. Uma coisa é o livro que sai do guia e outra, o que nunca entrou. Se o livro nunca entrou (e é reprovado), por que expor o autor a um julgamento que foi feito por uma comissão de especialistas?

A preocupação é evitar constrangimentos ao autor?

HADDAD: Exatamente. Muitas vezes há questões conceituais que fazem o livro não ser adotado. Mas esse autor pode, à luz do parecer, reestruturar e reapresentar o livro. Vemos mais desvantagens do que vantagens nessa exposição.

Como ficam escolas públicas e particulares que utilizam livros reprovados sem saber?

HADDAD: Nas públicas, não há esse risco. Porque o professor só pode escolher o livro que conste do guia.

Mas acabam ocorrendo situações como esta, em que um livro comprado antes é reprovado e ninguém sabe...

HADDAD: Mas aí é outra questão. A comissão de especialistas reavaliou o seu parecer.

Há impedimento jurídico para a divulgação da lista?

HADDAD: O edital não prevê a divulgação. Alguém poderá se sentir ofendido, exposto. E motivar um litígio. Até por respeito aos autores, a previsão teria que constar do edital.

O senhor pretende alterar o próximo edital?

HADDAD: Não estou convencido que essa decisão é a mais correta. (Após o fim da entrevista, Haddad voltou ao assunto e admitiu a mudança: "Estou cogitando, mas preocupado com o impacto negativo que isso possa ter na produção de novos livros").

Por que privar escolas particulares da lista de livros reprovados, já que elas correm risco de recomendar obras excluídas?

HADDAD: As escolas particulares têm, tanto quanto as públicas, acesso ao guia. Se confiam na capacidade de discernimento do ministério, têm liberdade de adotar exclusivamente os livros do guia. Se discordam e entendem que o guia excluiu uma obra importante, têm liberdade de adotar um livro que sequer foi submetido ao exame.

Mas a liberdade das escolas não seria maior à medida que tivessem a lista dos reprovados?

HADDAD: Considero mais pedagógico levar ao conhecimento do autor as objeções e permitir que ele reapresente o livro com as alterações que viabilizem a sua inclusão.

As editoras são contrárias à divulgação. É isso que determina a posição do ministério?

HADDAD: Evidentemente que não.

Não há pressão econômica?

HADDAD: A nossa preocupação é com os autores e não com as editoras.

O senhor já escreveu livros sobre questões abordadas no livro "Nova História Crítica - 8ª série". Como avalia os trechos que dizem que Mao Tsé-tung foi um grande estadista e que as propostas da Revolução Cultural chinesa eram discutidas animadamente?

HADDAD (ri antes de responder): Sou francamente favorável a que se discuta criticamente todo assunto relativo à história dos povos. Os livros didáticos têm que despertar interesse crítico dos alunos. Vou fazer um paralelo fora do livro didático: vale a pena discutir, em sala de aula, o livro "Não somos racistas", do jornalista Ali Kamel?

O que o senhor acha?

HADDAD: Vale. Se eu fosse o professor, na mesma aula discutiria também a resenha do (jornalista) Marcelo Leite, intitulada "Biologia seletiva", que procurou desconstruir o argumento do livro nos seus próprios termos. O papel do professor é submeter os estudantes a essas provocações para despertar o seu interesse. No caso específico do sistema soviético, eu escrevi um livro sobre o assunto e tenho uma visão inteiramente crítica sobre aquele processo. Defini aquele regime, tanto o soviético quanto o chinês, como despotismos modernos. Com a contradição que o próprio termo revela. É uma posição pessoal minha. Há pessoas que pensam diferente. Aliás, quase todas as pessoas pensam diferente. Essa caracterização do sistema soviético e chinês desagrada, de um lado, a stalinistas e maoístas e, de outro, a neoliberais.