Título: Papéis trocados
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 21/09/2007, O Globo, p. 2

A sessão de votação da emenda da CPMF na Câmara, na noite de anteontem, foi o retrato das sessões do passado, em que a oposição de então, capitaneada pelo PT, vociferava contra a ganância do governo, faltando dizer que o presidente embolsaria a receita obtida. Amanhã, quando o PT voltar a ser oposição, nada indica que fará diferente dos tucanos e democratas que condenaram a CPMF como se não tivessem nada a ver com seu surgimento. Este círculo vicioso, com a oposição de hoje imitando a do passado, suprime qualquer esperança de maior racionalidade na política.

Houve semelhança até na ocorrência de dissidências na oposição e na ameaça de punição. Em 1996, o PT suspendeu da bancada o deputado Eduardo Jorge. Outros deputados, como José Genoino, declararam que eram a favor mas votavam contra, em obediência ao partido. Ontem, o deputado Paulo Bornhausen, uma espécie de capitão do time democrata no combate à CPMF, anunciou processo de expulsão dos três deputados que votaram a favor da emenda do governo. O partido havia fechado questão e, quando isso acontece, a punição se impõe. Mas talvez eles queiram mesmo ser punidos para mudar de partido, pois viram os deputados da base governista receber promessas em troca do voto.

Ao PT do passado ainda pode ser dada a desculpa de que nunca tinha sido governo. Democratas e tucanos saíram de oito anos de governo, ao longo dos quais brigaram muito em defesa do imposto, criado em 1993 para financiar a saúde, que havia perdido a parte que recebia do orçamento da Previdência, já então combalida. Com os anos, o governo tornou-se tão dependente dela que a extinção repentina criaria buracos perigosos nas contas públicas. À diferença da oposição na Câmara, que queria logo a extinção do imposto, vem da sociedade, dos economistas e dos empresários um consenso sobre a necessidade da redução gradual da alíquota. O governo acenou com ela, mas de forma muito vaga, para um incerto futuro. O artigo que o relator, o deputado e ex-ministro Palocci, introduziu na emenda, assegurando a possibilidade de redução da alíquota por MP ou projeto de lei, abre a possibilidade de negociação ou de compromisso para o futuro.

Quando foi criada, por inspiração do então ministro Jatene, da Saúde, a CPMF recolhia para o governo cerca de R$4,9 bilhões. Essa receita foi subindo, a alíquota foi elevada de 0,20% para 0,38% em 1999, e nesse patamar garante hoje ao governo cerca de R$32 bilhões. Ainda que ela não implique custos para os mais pobres, como diz o ex-secretário da Receita Everardo Maciel, insuspeito de governismo, ela onera a classe média e as empresas, inibindo investimento e crescimento.

No Senado estará, pois, criada uma chance de negociação da redução gradual. Na Câmara, o governo aprovou a emenda com folga e sem alterações porque sua base, azeitada por promessas de liberação de verbas e nomeações, foi bastante fiel. PT, PP e PR deram 100% dos votos. O PMDB teve uma quebra de apenas oito, baixa diante de seu histórico. O PTB também. O bloco de esquerda também votou quase fechado, tendo duas defecções.

Mas, no Senado, a oposição está com a faca nos dentes, o governo não tem maioria segura, e sua base desorganizou-se. O que se ouve ali, de um lado e de outro, é que dificilmente o governo ganha sem negociar o mérito da emenda. Ou, como diz o senador Renato Casagrande, do PSB: "Ou se compromete com a redução gradual da alíquota, ou pelo menos com a destinação de uma fração maior da receita à saúde". O senador petista Tião Viana avisa o Planalto de que é hora de buscar diálogo com a oposição, não através dos líderes, mas da cúpula do governo.