Título: E o dólar derreteu...
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Fonte: O Globo, 21/09/2007, Economia, p. 29

Moeda atinge menor patamar em 15 anos e já tem o mesmo valor que divisa do Canadá.

NOVA YORK, LONDRES e RIO

Acotação do dólar recuou ontem mais uma vez, atingindo novo recorde de baixa frente ao euro e a paridade em relação à moeda canadense - o que não acontecia desde 1976. O dólar está em seu menor patamar desde 1992 frente a uma cesta de seis moedas, de acordo com o jornal inglês "Financial Times". A desvalorização da moeda americana também vem empurrando o preço do petróleo e a cotação do ouro a patamares recordes. Essa queda reflete, em parte, o corte de 0,50 ponto percentual na taxa básica de juros feito pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), para 4,75% ao ano, o que, segundo alguns analistas, poderia dar impulso à inflação.

O euro quase chegou a US$1,41, sendo negociado ao patamar recorde US$1,4097 em Nova York, contra US$1,4090 nos mercados europeus. Ou seja, agora com apenas 0,7097 é possível comprar um dólar. Frente à moeda japonesa, o dólar recuou de 116,07 para 114,17 ienes. Já o dólar canadense atingiu a paridade em relação à moeda americana, o que não era visto desde 25 de novembro de 1976. A libra só não teve o mesmo desempenho porque os mercados britânicos foram abalados pela recente crise de crédito.

Preço do petróleo é recorde histórico

Enquanto isso, os preços do petróleo em Nova York registraram seu sétimo recorde consecutivo. O barril do tipo leve americano fechou ontem em alta de 1,70%, a US$83,32, tendo sido negociado a US$84,10 durante o pregão. Em Londres, o barril do tipo Brent avançou 0,80%, a US$79,09.

Além do nível dos estoques de petróleo americanos e do temor de novas tempestades tropicais no Golfo do México, a fraqueza do dólar contribui para a alta dos preços do barril, já que os investidores migram para aplicações mais rentáveis. Uma mostra disso é que o gás natural não foi tão afetado pela temporada de furacões.

- Parece haver uma grande quantidade de dinheiro aí fora indo em direção ao petróleo, em correlação direta com as oscilações do dólar - afirmou Jim Ritterbusch, presidente da Ritterbusch and Associates.

O ouro atingiu sua maior cotação em 27 anos, como reflexo da queda do dólar frente ao euro. Este ano, o metal acumula alta de 16%. Em Nova York, o contrato para dezembro subiu 1,4%, para US$739,90 a onça-troy, depois de ter sido negociado a US$746,50, seu maior patamar desde 22 de janeiro de 1980, quando atingiu US$873.

Para o vice-presidente de tesouraria e câmbio do WestLB, Alexandre Ferreira, o mais provável é que a tendência de queda do dólar frente a outras moedas continue. O difícil é saber até quando.

- É difícil mensurar quanto tempo pode levar. O Fed não tem mais atitudes a tomar. Na verdade, tomou uma no sentido contrário (reduzindo os juros americanos em 0,50 ponto percentual) - afirmou Jason Vieira, economista da Uptrend Consultoria.

Ele lembra que a tendência de queda mundial do dólar volta a ter força com a redução dos juros nos Estados Unidos. E isso tira a atratividade da moeda direta e indiretamente, via títulos do Tesouro daquele país.

- Só no Brasil que isso (a fuga de investidores com a queda dos juros) não acontece. Todo afrouxamento monetário é um processo de desvalorização da moeda. Aqui, quando os juros caem, é porque a perspectiva para a economia é boa. As pessoas deixam de comprar dólar e o real acaba se valorizando - disse Vieira.

Ontem, surgiram rumores de que a Arábia Saudita deixaria de usar o dólar como âncora cambial, pondo fim à necessidade de manter enormes reservas da moeda. Essa especulação se deveu ao fato de o Banco Central saudita não ter reduzido sua taxa básica de juros, seguindo o Fed. Apesar dos argumentos de que o BC teria feito isso para controlar a inflação, os bônus do Tesouro recuaram ontem.

A dúvida agora, no Brasil, é saber se o Banco Central voltará a fazer o leilão diário para compra de dólares - como vinha fazendo até o dia 14 de agosto, quando a moeda se aproximou dos R$2 -, o que pode segurar maiores quedas.

- Aqui, se o BC entrar no mercado comprando dólar, vai segurar o dólar temporariamente - disse Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC. - Se comprar dólares como vinha fazendo antes, vai atrair mais capital de curto prazo, em que o sujeito ganha com os juros brasileiros e depois ganha com o dólar (ainda alto) quando sair.

BC redobra cuidado com a inflação

Já José Cezar Castanhar, professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que o BC deve voltar ao mercado:

- O que faz o mercado hoje desvalorizar o dólar é o que fez o mercado desvalorizar o real em 2002, ou seja, a precariedade dos fundamentos econômicos. Os EUA estão passando pelo problema que os emergentes passaram nos anos 1990, com seu déficit comercial e das contas públicas.

Numa tentativa de acalmar as preocupações do mercado, o presidente do Fed, Ben Bernanke, disse ontem no Congresso que continuará atento à taxa de inflação.

- Continuaremos a dar muita atenção à taxa de inflação. É uma parte importante de nosso trabalho e concordo com vocês que uma economia não pode crescer de maneira estável e saudável quando a inflação está fora de controle. Nós certamente nos certificaremos de que isso não aconteça. (Com Felipe Frisch)