Título: Incerteza até a última hora
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 22/09/2007, O Globo, p. 2

A incerteza sobre a regra de filiação partidária válida para a eleição municipal de 2008 é um exemplo da barafunda e do impasse que cercam toda e qualquer mudança na ordem política, por menor que seja. Eles misturam a freqüente judicialização dos temas dessa natureza, com o TSE e o STF legislando acima do Congresso, e a disputa do papel revisor entre Câmara e Senado, que está na base da defesa do unicameralismo.

Se há consenso sobre a necessidade de coibir o troca-troca partidário que lesa o eleitor, enfraquece a representação e favorece o fisiologismo, é total o desencontro entre as duas Casas do Legislativo, fortalecendo a defesa do unicameralismo. Quando marca para o dia 3 de outubro o julgamento de um recurso da oposição sobre fidelidade e filiação partidária, o STF aumenta a incerteza. Estará por horas o fim do prazo de refiliação para os que pretendam disputar a eleição: um ano antes do pleito, ou no caso, 5 de outubro. Antes da decisão do Supremo ninguém vai se mover, temendo uma decisão que leve à perda do mandato. Se a migração for permitida, na última hora muitos terão perdido a chance de acomodação para concorrer. Por exemplo, a senadora Patrícia Gomes, que, para disputar em Fortaleza, terá que sair do PSB, comprometido com o PT.

Ao decidir, em março, lá se vão sete meses, que o mandato é do partido e deve ser exercido pelo suplente quando o titular muda de sigla, o TSE estabeleceu uma fidelidade absoluta, amarrando para sempre um político a um partido. Não combina com a tradição, que não é mesmo boa. É o oposto, de liberdade total para o troca-troca, com os resultados conhecidos. Dúvidas surgiram também sobre a constitucionalidade dessa interpretação. E, como os governistas já haviam pescado pelo menos 38 deputados da oposição só nestes primeiros meses da legislatura, partidos como PSDB, DEM e PPS, os mais beliscados, recorreram ao STF pedindo a imediata posse dos suplentes, ou, posto de outro modo, a cassação dos mandatos dos trânsfugas. O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, não se achou habilitado a aplicar medida tão dura.

Esse recurso da oposição, que o Supremo julgará no dia 3, acaba de receber parecer contrário do procurador-geral da República, Antonio Fernando. Ele sustenta que a Constituição garante a livre associação, inclusive partidária, mas também a liberdade de dissociar-se. Três ministros do STF já apoiaram, no TSE, a tese de que o mandato é do partido: Ayres Britto, Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello, que sustentou: "Não é possível que não consigamos mais três votos entre os outros oito ministros do Supremo". Mas é também possível que a maioria acompanhe o procurador-geral.

Para evitar a decisão de undécima hora, e que mais uma vez o Judiciário venha a legislar, o Congresso teria que tomar a si, e logo, a decisão. Está na CCJ do Senado o projeto do deputado Luciano de Castro, aprovado pela Câmara e bombardeado pela oposição nas duas Casas. Estabelece uma fidelidade mitigada, que permite a mudança a cada quatro anos, e livra a cara dos 38 adesistas. Está também na pauta de votações do plenário do Senado uma emenda do senador Marco Maciel, propondo a fidelidade absoluta. Tal como o TSE, ela prevê a perda de mandato para migrantes, sejam do Legislativo ou do Executivo. Mas, mesmo que fosse aprovada até o fim do mês no Senado, não haveria tempo para aprová-la na Câmara. E, quando ali chegar, essa emenda fatalmente será modificada, pois a maioria da Casa já optou pelo projeto mais brando.

- A Câmara põe, o Senado dispõe, e vice-versa. Essa eterna revisão das decisões de uma Casa pela outra tem travado o processo legislativo e inviabilizado as reformas, sobretudo a política. Por isso eu defendo a unicameralidade. Com uma Casa só, o Parlamento seria mais ágil e produtivo - diz o deputado Júlio Delgado (PSB-MG).

É a história do fim do Senado, que, como se vê, não tem defensores só no PT. Embora desperte forte e vasta oposição, pela importância que o Senado de fato tem na garantia do equilíbrio da federação, ela vem ganhando adeptos. Mas o assunto, aqui, é a filiação partidária, que dificilmente será decidido por um Senado travado. O STF é que acabará decidindo, e em cima da hora.