Título: Fiscais denunciam pressão de senadores
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 22/09/2007, O País, p. 12

AVANÇOS E ATRASOS NO CAMPO: Equipe libertou 1.108 trabalhadores em situação de escravidão na Fazenda Pagrisa.

Grupo Móvel do Trabalho pára operações em protesto contra parlamentares que questionaram autuação no PA.

BRASÍLIA. Responsáveis pelas ações de combate ao trabalho escravo no país, fiscais do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho decidiram suspender, a partir de segunda-feira, todas as operações em curso. A paralisação por tempo indeterminado é um protesto às pressões de um grupo de senadores que questionam operação dos fiscais que libertou 1.108 trabalhadores em situação análoga ao trabalho escravo na Fazenda Pagrisa (Pará Pastoril e Agrícola), em Ulianópolis, Pará, no início de julho.

A secretária de Inspeção do Trabalho, Ruth Vilela, avisou ontem ao ministro do Trabalho, Carlos Lupi, sobre a suspensão das ações de fiscalização. Políticos do Pará já tinham pressionado o ministro para que a autuação fosse revista.

Mas o estopim dessa crise que levará à suspensão das operações foram as declarações feitas por alguns senadores. Eles querem investigação da Polícia Federal sobre a ação dos fiscais naquela operação e os acusam de terem exagerado na ação e cometido irregularidades.

Para auditores, reação de políticos compromete trabalho

Os auditores consideraram inadmissível essa postura dos senadores e não aceitam interferência externa no trabalho. No entendimento da Secretaria de Inspeção, e dos auditores, essa reação dos políticos atrapalha as ações das equipes, que necessitam de segurança para atuar. Desde que foi criado, em 1995, até hoje, o Grupo Móvel libertou 23.405 funcionários, aplicou 15.888 autuações e gerou pagamento de indenizações no valor de R$30,4 milhões.

A comissão do Senado visitou a fazenda Pagrisa esta semana. A relatora do grupo é Katia Abreu (DEM-TO), ligada aos ruralistas. Ela acusou os fiscais de terem abusado na autuação da Pagrisa e disse que a ação teve o único propósito de aparecer na mídia como a que detectou o maior número de trabalhadores em condições análogas à de trabalho escravo.

Katia Abreu disse também que a comissão quer ouvir o auditor responsável pela operação. A senadora afirmou que a empresa é bem administrada e que, pelo que constataram, não cometeu as irregularidades apontadas pelos fiscais.

- Não vamos trabalhar sobre essa pressão dos fiscais. Se querem parar, o problema é deles e não nosso. Esta não é a primeira vez que fiscalizamos essas ações e nem será a última. O que ocorreu lá foi um exagero. Os fiscais buscaram os holofotes - disse Katia Abreu.

Pagrisa teve que pagar R$1,8 milhão de indenização

Também estiveram na Pagrisa os senadores Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) - presidente da comissão externa -, Romeu Tuma (DEM-SP), Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e Cícero Lucena (PSDB-PB).

A Pagrisa teve que pagar R$1,8 milhão de indenização aos trabalhadores. Os fiscais, em relatório, apontaram os seguintes problemas: esgoto a céu aberto e despejado na represa usada para banho dos peões; a água oferecida para beber não era tratada; e não havia banheiros nem local reservado para refeição. Os auditores constataram ainda que os colhedores de cana-de-açúcar trabalhavam e viviam em condições degradantes, com alojamentos superlotados e jornada excessiva de trabalho.

Entre o grupo de parlamentares que, em meados de julho, reuniu-se com Lupi estava o deputado Paulo Rocha (PT-PA), autor da proposta de emenda à Constituição que expropria as terras onde os fiscais encontram exploração de mão-de-obra escrava. Flexa Ribeiro também foi ao encontro e chegou a discutir com Ruth Vilela.

Das 1.753 fazendas fiscalizadas, 423 estão no Pará

O Pará, estado do senador, é o que registra o maior número dessas violações no campo. Das 540 operações realizadas nestes 12 anos de existência do Grupo Móvel, 160 ocorreram no Pará. E, das 1.753 fazendas fiscalizadas neste período, 423 estão naquele estado.