Título: O propinoduto de luxo dos pobres
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 22/09/2007, Economia, p. 33

Bird estima que US$1,6 trilhão, fruto de crimes e corrupção, é lavado em países desenvolvidos por ano.

OBanco Mundial (Bird) decidiu ajudar os países em desenvolvimento a recuperar o dinheiro roubado deles por políticos, diretamente dos cofres do governo ou via subornos; pelo crime organizado; e por pessoas e empresas que dão calote no fisco e depositam fortunas no exterior. A estimativa é que até US$1,6 trilhão é desviado anualmente para paraísos fiscais, contas bancárias e investimentos nos países ricos, no processo de lavagem do dinheiro. Somente em propinas para políticos, o rombo anual chegaria a US$40 bilhões. Atividades criminosas gerariam US$500 bilhões anuais em dinheiro sujo. A evasão fiscal seria responsável por mais US$500 bilhões. Uma parcela semelhante seria gerada pelo mercado negro de armas e por comissões pagas por baixo do pano, em processos de licitações públicas.

Por isso, numa parceria com o Escritório de Drogas e Crime, da Organização das Nações Unidas (ONU), o Bird está lançando a "Iniciativa para a recuperação de bens roubados", com uma ênfase que altera o enfoque dos esforços que vinham sendo realizados. A idéia, agora, é colocar pressão maior sobre os países mais ricos - que, no geral, costumavam acusar o alto índice de corrupção nos países em desenvolvimento. E isso, segundo o presidente do Bird, Robert Zoellick, tem uma explicação óbvia.

- Subornos, comissões ilegais e outras formas irregulares de renda nos países em desenvolvimento são fornecidos por empresas e indivíduos dos países desenvolvidos. E o dinheiro roubado quase sempre é escondido nos países ricos - disse Zoellick. - Ajudar os países a recuperar o que é seu, de direito, não é só uma questão de justiça: trata-se de uma questão fundamental de desenvolvimento. Fundos recuperados podem ser utilizados para bancar programas sociais.

Crédito especial para reaver dinheiro

O Bird deixa claro que a iniciativa só terá êxito se, de fato, os países industrializados deixarem de fazer vista grossa à lavagem de dinheiro a que eles se prestam. Para a instituição, assim como os países em desenvolvimento precisam tomar providências institucionais que lhes permitam coibir as irregularidades, os ricos também necessitam fazer reformas legais e demonstrar vontade política de estancar o que Zoellick definiu como "uma hemorragia de dinheiro que é desesperadamente necessitado para combater a pobreza".

No documento em que o Bird e a ONU se comprometem a empreender, como prioridade, uma cruzada contra os corruptos, está registrado que chegou a hora de se encarar o problema olhando o outro lado da equação: "Bens roubados são freqüentemente escondidos em centros financeiros dos países desenvolvidos; subornos de funcionários públicos dos países em desenvolvimento se originam freqüentemente de corporações multinacionais; e os serviços intermediários fornecidos por advogados, contadores e agentes que criam companhias de fachada para lavar ou esconder rendimentos de roubos realizados por políticos estão freqüentemente localizados nos centros financeiros dos países ricos".

Uma das medidas a serem tomadas com urgência, segundo o Bird, seria a ratificação da Convenção Contra a Corrupção da ONU. Metade dos países do G-8, que reúne os mais ricos, ainda não fez isso: Alemanha, Canadá, Itália e Japão. Além de evitar que eles continuem sendo portos seguros para o dinheiro roubado, o Bird pretende melhorar sua própria monitoração do fluxo de capitais e conceder empréstimos específicos para operações de resgate empreendidas pelos países vítimas de seus próprios corruptos.

- O que temos de fazer é tornar cada vez mais difícil aos ladrões dos cofres públicos roubar o dinheiro do povo, e tornar cada dia mais fácil para o público recuperar seu dinheiro de volta - disse Antonio Maria Costa, diretor executivo do Escritório de Drogas e Crime da ONU.

Devido sobretudo à inércia ou ao desinteresse dos países ricos, tem sido difícil resgatar o dinheiro. Segundo o Bird, a África é roubada, a cada ano, no equivalente a 25% do seu Produto Interno Bruto (PIB). O maior exemplo das dificuldades são as Filipinas. Dos cerca de US$10 bilhões que o presidente Ferdinand Marcos embolsou em 14 anos, o país levou 18 anos para reaver US$602 milhões. A Nigéria levou cinco anos para recuperar US$505 milhões dos US$5 bilhões que o presidente Sani Abacha roubara.

- Muitos países têm a capacidade legal de congelar bens, mas não de retorná-los à sua origem. Ou seja: às vezes, os países em desenvolvimento conseguem descobrir onde está o dinheiro roubado, mas jamais recuperá-lo - explicou Ngozi Okonjo-Iweala, ex-ministro de Finanças da Nigéria e pesquisador da Brookings Institution, em Washington, e que ajudou o Bird a planejar a iniciativa.