Título: Dilma: PAC leva país além da época do milagre
Autor: Barbosa, Flávia e Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 23/09/2007, O País, p. 3

Ministra rebate críticas ao programa, para ela um novo modelo de desenvolvimento.

Há mais de 12 horas trabalhando, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, recebeu O GLOBO na noite de quinta-feira, dia no qual divulgou o segundo balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Reclamou das olheiras, que a perseguem "há anos", mas andam mais intensas. Não é à toa. Ela é a gerente do conjunto de 3.212 obras que formam o mais ambicioso plano de governo do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Cabe a ela, em última instância, prestar contas do PAC. Mostra que está com as garras afiadas para cumprir sua missão e continua fazendo jus à fama de durona. Aos empresários que reclamam de insegurança regulatória, diz que o PT respeitou todos os contratos e que, se insistirem nesse "discurso ultrapassado", vão perder o barco para os estrangeiros, pois o Brasil é o investimento da hora. Irritada, chama de conversa fiada de quem quer somente aumentar preços o discurso de que há risco de apagão energético.

Mas são rompantes. Na maior parte do tempo, Dilma mostrou que está mesmo é feliz e disposta a defender o PAC - que monitora, "obra a obra", numa sala de situação nas cercanias de seu gabinete, no quarto andar do Palácio do Planalto.

Nem precisou consultar seus famosos power points para discorrer sobre sua visão da realidade brasileira. Acredita que está em curso um novo modelo de desenvolvimento, pautado pela criação de um amplo mercado de massa, onde consome uma nova classe média. E encheu a boca para dizer que muita gente ainda não enxerga, mas "o PAC é irreversível" e, em 2008, será inquestionável: "Nunca passamos por um processo similar a este. Mesmo na época em que houve o milagre econômico".

Flávia Barbosa e Tereza Cruvinel

O balanço do PAC trouxe o conceito de uma nova classe média. Por que essa ênfase e quais seus reflexos?

DILMA ROUSSEFF: É uma coisa crescente. Há um processo de mobilidade social. Antes não havia. Hoje, você está saindo da pobreza, indo para uma situação remediada, e depois para essa nova classe média que se forma. Estamos consolidando um mercado amplo de massa. Já tivemos crescimento, mas extremamente segmentado. Isto se torna um valor econômico fantástico, porque é diferente você ter um país com consumo de 20 milhões e outro de 100 milhões, nos dá mais robustez. Não há capitalismo sem que o cidadão vire consumidor.

A senhora considera isso um legado do governo Lula?

DILMA: De nossa parte, isso decorre não só da política macroeconômica, do crescimento, mas da política de salário mínimo, do Luz para Todos, do fato de termos tido cuidado de fazer do Bolsa Família um programa focado. Da difusão violenta do crédito. E tudo isso num momento em que estamos num novo ciclo de desenvolvimento. Quando há mobilidade social, há uma evolução que beneficia os empresários, os mais ricos. Pois cria-se poder de consumo e de gerar emprego, renda e lucro, uma dinâmica mais favorável. Acho que nunca passamos por um processo similar. Mesmo na época em que houve o milagre econômico.

A senhora acha, então, que esse processo continuará em 2008 e nos próximos anos?

DILMA: O crescimento vai se acelerar a partir de agora de forma muito consistente. O ano que vem será muito surpreendente. Mais do que foi 2007. Este foi o ano da consciência de que algo mudou. O próximo será da prova inquestionável de que mudou. As coisas vão ficar cada vez mais claras. Hoje alguns percebem, outros não, dizem "O PAC não existe, é uma obra de marketing". O PAC será um dos fatores que vão transformar este país num canteiro de obras.

Há um contraste entre seu otimismo e a recepção que o balanço do PAC teve em alguns segmentos. Apesar da melhora no cronograma, apontou-se que ainda há muita burocracia.

DILMA: O PAC é uma ação em andamento. Vamos crescentemente empenhar e pagar mais. Não achamos que há entraves burocráticos. O que achamos é que havia deficiências. Neste país, não se investia há muitos anos, e ele não estava preparado. O governo não tinha estoque de projetos. Quando houve projetos, estavam bastante precários. Licitações apresentavam distorções grandes.

Que licitações?

DILMA: A construção de rodovias (leilão dos sete mais importantes trechos, em preparação há dez anos): o risco-país atingia 200 pontos, e o edital calculava entre 700 e mil. O que dava uma taxa de retorno maior. Refizemos tudo e remarcamos a licitação (de janeiro para outubro). O fato de termos que acelerar o PAC não significa que temos que impingir custo ao Brasil, que não vamos corrigir erros.

Mas o setor de saneamento, por exemplo, atrasou com burocracia.

DILMA: Em saneamento e habitação, agora que estamos anunciando R$32 bilhões, fizemos o processo de seleção da forma mais correta possível, pois não havia estoque de projeto e licitação. Então discutimos com todos os governadores e prefeitos, num processo federativo. E isso suprapartidariamente. É só ver a distribuição de recursos, que foi baseada na população de cada estado e na disponibilidade de projetos. Isso explica que São Paulo tenha R$7,7 bilhões; Minas, R$4 bilhões; o Rio outros R$3 bilhões.

O que a senhora defende é que o PAC melhorou a capacidade de gestão do Estado?

DILMA: O mérito do PAC é que colocou o investimento na ordem do dia. Ao fazê-lo, rompeu com uma tradição que vinha, a da contenção fiscal. Combinamos estabilidade fiscal e inflacionária com robustez externa e demos protagonismo ao investimento. Para tal, tivemos que remontar toda a lógica do governo, que estava centrada em conter o gasto. Então, deslanchar o PAC foi um processo que iniciamos. A idéia do PAC vem desde o segundo semestre de 2006. O presidente Lula não queria contaminar o PAC com as eleições, fizemos no fim do processo. O que anunciamos em 22 de janeiro? O que poderíamos levantar para gastar e a linha geral dos projetos. Em abril (primeiro balanço), a gente já tinha conseguido levantar os projetos na área de energia, de logística e um pedaço da área social. Não tínhamos nada de saneamento e habitação. Isso significa que tivemos de fazer um esforço de estruturação.

Os entraves para o PAC deslanchar estão superados?

DILMA: O que quero dizer é que há um processo, investimento tem um ciclo: plano, projeto, obra, operação. Temos que cumprir fases. A fase em que estou permite que eu tenha empenhado (alocação de recursos numa obra) 45% do investimento previsto. Não estou querendo dizer que o PAC é perfeito, que não temos desafios ou que estamos satisfeitos e vamos ficar sem fazer nada. Estamos satisfeitos porque foi feito um esforço imenso e chegamos até aqui. Estamos insatisfeitos porque queremos um desempenho o melhor possível daqui para a frente. Mas fica claro neste segundo balanço que o PAC é uma realidade absolutamente irreversível. Não volta atrás e não é um malabarismo de marketing.

Mas ainda há muita desconfiança do setor privado quanto à materialização dos investimentos, devido à incerteza regulatória, pois falta aprovar marcos como as leis do Gás e de Licitações...

DILMA: Essa conversa de que o empresário, para investir aqui, precisa de um rol de medidas a serem tomadas vem na contramão do que pensam os empresários internacionais. Acho fundamental que se continue construindo os marcos regulatórios: das agências reguladoras, do sistema de defesa da concorrência. Foram incluídos no PAC, e demos prioridade a eles. Alguns deles nós que fizemos! Mas não concordo que, para investir no Brasil, precisa que isso esteja votado. É uma avaliação falsa, contraditória com os dados. Até junho entraram US$32 bilhões de investimento direto (sem descontar saídas).

Mas esses marcos não são importantes?

DILMA: O Brasil terá sempre que melhorar seus marcos regulatórios. Mas, hoje, não há barreira ao investimento no Brasil. Pelo contrário. Nós respeitamos contratos, temos regras claras, e acredito que quem acha que tem que fazer algumas coisas para poder investir vai perder o barco. Quem esperar perde a hora.

Com o adiamento dos leilões das hidrelétricas do Madeira e o crescimento esperado, corremos risco de apagão a partir de 2011?

DILMA: A lógica do modelo do setor elétrico impede apagão. Você olha o país sempre cinco e três anos antes. Abre-se um leilão para 2011, de energia que pode ser hídrica (a mais limpa e barata), de gás, de carvão, nuclear. Acontece que estamos botando hidrelétricas nas ruas. Mas tem havido dificuldade de licenciamento. O que ocorre? Entra uma usina térmica. Faz-se rapidamente uma usina de outro tipo. Risco de apagão não tem, tem é de sujar a matriz e subir preços.

Se é tão claro assim, por que tem havido insistência sobre risco de apagão?

DILMA: Essa conversa fiada de que há risco de apagão, sabe o que é? Vou falar pela primeira vez o que penso: quem fica conversando que faltará energia está querendo aumentar preços. Outro dia, apareceram para mim com uma proposta de venda de energia à base de biomassa por US$110 o megawatt. A custo de térmica nuclear! É a mesma gente que propõe isso que fica contando a história do apagão.

O que o governo fez efetivamente para melhorar o ritmo do PAC?

DILMA: Aprendemos muito com o monitoramento. E temos, hoje, no quesito entraves, tratamento especializado. Gente que avalia todas as pendências do TCU para instar os ministérios a tomar providências. Temos a sala de situação ambiental. A mesma coisa com a Funai. Judicialização também, há uma equipe na AGU que só cuida de PAC. Há a MP 387, que torna as transferências do PAC despesas obrigatórias, tirando o cadastro de endividamento de estados e municípios do caminho. Mas, para não perdermos controle, colocamos a CGU para fiscalizar cada obra.

Foi uma tentativa de achar uma vacina contra corrupção?

DILMA: Esta é uma direção para evitar mau uso do dinheiro. E do outro lado está a Caixa, que contratou cerca de mil funcionários só para fazer a fiscalização do PAC. A Caixa hoje tem estrutura forte, tradição de controle técnico, e fiscalizará a aplicação dos recursos.

A arrecadação está R$4 bilhões acima do projetado. A CPMF é mesmo fundamental para o PAC?

DILMA: Claro. O povo acha que um aumento de receita de R$3 bilhões faz verão. Não faz mesmo. Se cortar R$40 bilhões, não é só o PAC que fica comprometido. São R$15 bilhões do PAC. E os outros? Tem que tirar mais coisa. Da Saúde? Do Bolsa Família? Todo mundo sabe disso. Quem passou pelo governo sabe. Então, tirante a hipótese do quanto pior melhor, o barco da CPMF é coletivo, de oposição e governo.