Título: O passado de Dilma
Autor: Krieger, Gustavo
Fonte: Correio Braziliense, 09/04/2009, Política, p. 4
Dilma Rousseff tem um passado político e é importante que ele seja conhecido e julgado, sem preconceitos nem mistificações pelos brasileiros.
Nos últimos dias, foram publicadas reportagens sobre o passado da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, como militante e dirigente da VAR-Palmares, organização de esquerda que escolheu o caminho da luta armada para combater o regime militar. Como acontece sempre que a mídia trata do assunto, instalou-se uma polêmica entre os adversários e os admiradores da ministra. Uns veem nas reportagens sobre o tema uma tentativa de minar a candidatura dela à Presidência da República em 2010, pintando o seu retrato como o de uma terrorista. Já os outros... Bom, os outros a acusam mesmo de ter sido uma terrorista.
Pessoalmente, acho um bom debate. A ministra Dilma Rousseff tem um passado político e é importante que ele seja conhecido e julgado, sem preconceitos nem mistificações pelos brasileiros. E é bom que ela tenha uma história. A crítica mais correta que pode ser feita à sua candidatura presidencial é a da artificialidade. Ela não foi escolhida no debate interno do PT, seu partido. Foi pinçada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre os ministros e ungida por ele como candidata à sua sucessão. Só depois foi sendo assimilada pela legenda.
Com um processo de escolha assim, o grande risco é o da imposição de uma candidatura artificial, de alguém que seja mais um produto de marketing. Nesse sentido, é tranquilizador saber que Dilma tem uma história política que remonta há mais de três décadas. É uma prova de que ela tem conteúdo. Concordar ou não com esse conteúdo é prerrogativa de cada brasileiro, que poderá votar nela ou não.
Reportagens sobre o assunto são importantes. E, por isso, é fundamental que sejam exatas. Que não se exagere nem o papel de Dilma na Var-Palmares nem a importância da organização na vida dela.
Terrorismo ou revolução? Na primeira frase desta coluna, tomei um cuidado especial ao descrever a VAR-Palmares. Não usei para defini-la a palavra terrorista e tampouco lhe dei a chancela de revolucionária. A atenção ao texto foi proposital. Nesse caso, as palavras são carregadas de simbologia e valor. Quem descreve como terrorista a ação da organização a está condenando e, por extensão, a seus militantes. Por outro lado, o termo revolucionária lhe empresta um ar de romantismo e justificação. Prefiro ser mais seco. Tratava-se de um grupo de militantes de esquerda que escolheu as armas para combater um regime imposto pelas armas. Você pode concordar com isso, ou ao menos compreender a ação. Ou não. De qualquer forma, isso ajuda a compreender a alma de Dilma Rousseff. Era alguém disposta a arriscar a vida pelo que acreditava. E também a romper com os limites da legalidade, se isso lhe parecesse correto. Convenhamos, isso é mais do que sabemos sobre a maioria dos políticos.
É claro que a Dilma de hoje é bem diferente da jovem militante que foi presa e torturada no tempo da ditadura. Está mais pragmática, mais centrada e provavelmente mais conservadora. Uma transformação semelhante à que aconteceu com José Serra, um de seus prováveis adversários nas eleições do ano que vem. O governador de São Paulo não é igual ao jovem que foi dirigente da UNE e militante da Ação Popular, outro movimento de esquerda contrário ao regime militar. Mas boa parte do que ambos são hoje é resultado da forma como viveram aqueles anos de chumbo.
Informação Honestamente, não acredito que esse será um tema central da decisão de voto. A crise econômica, os programas sociais do governo, as denúncias de corrupção e a competência dos marqueteiros de lado a lado vão pesar mais. Mas o assunto estará presente na campanha eleitoral, não tenham dúvidas. Muita gente se recusará a votar em Dilma para não dar seu apoio a alguém que consideram uma ex-terrorista. E terão todo o direito de agir assim. Outros, ao contrário, podem ver nesse passado um sinal de que ela é mais do que a ministra com jeitão de supergerente que o país conheceu durante o governo de Lula. É uma das boas coisas da democracia.