Título: Paraíba: um rio entre a energia e a degradação
Autor: Gianotti, Rolland e Brandao, Tulio
Fonte: O Globo, 05/10/2007, Rio, p. 19

NO CAMINHO DAS ÁGUAS: Reservatório de 29 quilômetros de extensão vai expulsar 1.100 moradores ribeirinhos.

Construção do Complexo Hidrelétrico de Simplício vai redesenhar a principal bacia hidrográfica do estado.

Um novo caminho se desenha para a Bacia do Paraíba do Sul, responsável pelo abastecimento de 14,3 milhões de pessoas, entre as quais 8,7 milhões na Região Metropolitana. Por meio de um pouco usual sistema de canais, túneis, reservatórios e diques, o rio está sendo preparado para ter mais da metade de seu volume d"água desviada do curso original. O projeto de R$1,2 bilhão, tocado por Furnas Centrais Elétricas, é a mola-mestra do Complexo Hidrelétrico de Simplício, que, a partir de 2011, vai gerar 333,7 megawatts, equivalentes à metade da produção da Usina Nuclear de Angra 1. Simplício contribuirá com 5% da produção de energia do estado. No entanto, a corrida contra o colapso energético - principal argumento para o empreendimento - terá interferência direta na vida de 8.700 habitantes da região e um impacto ambiental no Médio Paraíba.

Trechos de rodovia e ferrovia serão relocados

A mudança na geografia do estado é certa. Para fazer funcionar as três usinas do Sistema Simplício, uma grande barragem e pequenos reservatórios ocuparão uma área de 11,8 quilômetros quadrados, fora a calha do próprio rio. O reservatório maior, entre os municípios de Sapucaia, Três Rios e Chiador (MG), começará a se formar em 2010, terá 29 quilômetros de comprimento e fará com que nove quilômetros da BR-393 e um trecho de estrada de ferro sejam relocados. A inundação fará com que 1.100 moradores de lugarejos tenham que deixar suas casas. A água vai encobrir ainda duas escolas, posto de gasolina, duas olarias, sítios e vegetação de Mata Atlântica.

As perdas e ganhos que surgirão no rastro de Simplício já criam polêmica. Há moradores e técnicos a favor e contra a obra. Para Marcio Porto, assistente da Superintendência de Empreendimentos de Geração de Furnas, os estragos serão compensados e, apesar dos impactos negativos da terceira maior hidrelétrica em construção no país - superada pelas de Estreito (TO) e Chapecó (SC) -, o sistema, já a partir da construção, terá mais prós do que contras.

- Simplício é extremamente importante para a matriz energética nacional. E, com a obra, a vida da população das áreas que recebem o investimento só tende a melhorar - diz Marcio, que destaca 38 ações de compensação ambiental, como criação de estações de tratamento de esgoto para as cidades atingidas e reflorestamento.

- Se a vida da população vai melhorar, isso depende do ângulo de que se olha. Mas não há dúvida de que Simplício não resolverá nem de longe a questão da crise energética - rebate Alexandre Szklo, professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ.

De fato, a vida mudará para quem mora na região que em 2010 estará submersa e também para aqueles que escaparão do alagamento. Do reservatório maior, explica o engenheiro Luiz Antônio Buonomo de Pinho, responsável pela obra, o Paraíba será desviado para a esquerda, avançando três quilômetros por terras mineiras. A partir daí, o volume d"água utilizado na geração de energia só voltará ao leito normal em Simplício (Além Paraíba), 25 quilômetros adiante.

Em Sapucaia, Paraíba deixará de ser caudaloso

Entre os dois pontos, atualmente passam em média 260 metros cúbicos de água por segundo. Com o desvio, restarão só 90 metros cúbicos, chegando a 71 metros cúbicos em época de seca. A vista que os habitantes de Sapucaia têm do rio caudaloso deixará de existir.

- De que serve uma vista dessa sem dinheiro no bolso? - questiona o motorista José Avilino Alvarenga, de 59 anos, que, após dois anos de desemprego, conseguiu uma vaga na terraplanagem da obra, com salário mensal de R$830.

Em Bairro 21, trecho de Três Rios que também será alagado, o produtor de flores Ademir Cardoso de Souza, de 60 anos, estava indignado com a escassez de informação sobre a obra. Sem saber o que fazer, ele parou de investir em seu negócio.

- Funcionários de Furnas entraram em minha propriedade e, com o argumento de que a estrada passaria por lá, roçaram o terreno todo. De lá para cá, surgiu um boato de que a estrada não passaria mais por lá. Desde então, não planto mais nada. Só colho, porque não sei se vale o investimento. Há outros produtores rurais parados, porque não sabem o que vai acontecer. Quem vai pagar o preço da desinformação?

Furnas explica que todas as famílias do local serão inseridas no programa de compensação fundiária. Segundo a empresa, R$200 milhões serão gastos em indenizações e assentamentos.

Não bastassem os problemas ambientais e sociais do empreendimento, o Tribunal de Contas da União (TCU) detectou, semana passada, indícios de superfaturamento e contratações por dispensa de licitação. Simplício é uma das quatro grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Furnas afirmou já ter enviado todas as informações ao TCU.