Título: Governo manobra para ter vários concorrentes no leilão do Madeira
Autor: Paul, Gustavo e Tavares, Mônica
Fonte: O Globo, 23/09/2007, Economia, p. 34

Disputa de R$20 bilhões pode até ser adiada caso não haja competição.

BRASÍLIA. Próxima da reta final, a novela envolvendo a construção das hidrelétricas do Rio Madeira - Santo Antônio e Jirau - está aumentando em suspense e emoção. Em jogo, a mais emblemática licitação do governo, que envolverá investimentos de cerca de R$20 bilhões. Nas últimas semanas, uma frenética movimentação nos bastidores mostra que a temperatura poderá aumentar até o leilão, já transferido de 30 de outubro para 22 de novembro. O governo está obcecado por garantir que mais empresas participem da licitação. Caso contrário, avisa, não descarta novo adiamento.

- Claro que será feita uma avaliação política se vale a pena ou não realizar o leilão, se, eventualmente, não houver tanta competição. Se não tiver competidores, o governo pode decidir não fazer o leilão - disse o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, informando que a decisão será tomada somente depois de lançado o edital e de inscritos os grupos no leilão.

A constituição do consórcio Furnas/Odebrecht se tornou uma dor de cabeça para as autoridades. O principal imbróglio foi a constatação de que as cláusulas de exclusividade assinadas com os fornecedores de turbinas limitam as chances de os demais concorrentes entrarem na disputa. Afinal, essas empresas, os principais fabricantes instalados no país (General Electric, Voith Siemens e Alstom), concordaram em 2006 em não se associar a outra companhia, mesmo se perdessem o leilão. Há a possibilidade de importação, mas perde-se o principal atrativo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): o financiamento camarada do BNDES.

Odebrecht recorreu ao Cade na sexta-feira

O governo não quer que a concorrência termine travada por uma guerra de liminares. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, defende um acordo entre governo, empreiteiras e fornecedoras. E sugere que o Executivo está agindo para evitar a batalha:

- A possibilidade é que, se esse assunto for parar no Cade (Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência), ele tome medidas mais drásticas e não aceite que a construtora tenha (qualquer) contrato de exclusividade. Achamos que a melhor solução seria uma mais consensual do que a judicialização - ponderou, acrescentando que a determinação do governo é tornar a concorrência o "mais capitalista" possível.

A cláusula, chamada pelos concorrentes de "pecado original" e "cláusula do faraó" (que, quando morria, obrigava suas esposas a serem enterradas com ele), disparou uma cadeia de ações nos últimos meses. Desde março, a construtora Camargo Corrêa alerta as autoridades para o problema. Reuniões e correspondências colocaram o tema como o principal entrave.

No início deste mês, alguns concorrentes mostravam ao governo que entrariam na Justiça comum contra as cláusulas. A Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, decidiu em julho analisar o tema. No dia 11 de setembro, após ter sido procurado pela Camargo Corrêa, o presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, enviou uma carta à SDE pedindo uma decisão sobre as cláusulas, antes da publicação do edital. A decisão da SDE foi anunciada três dias depois: elas foram consideradas anticompetitivas e deveriam ser anuladas. A Odebrecht recorreu à Justiça e conseguiu sustar a medida.

O governo se mobilizou. Discretamente, o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, acompanhado de técnicos da SDE, foi conversar com a juíza substituta da 1ª Vara Federal, Pollyana Kelly Martins Alves. A secretária de Direito Econômico, Mariana Tavares de Araújo, que estava em viagem oficial ao México, antecipou a volta para acompanhar o caso. A liminar foi negada, e a decisão da SDE, restabelecida.

A Odebrecht, porém, deixou claro que não se entregará fácil: recorreu ao Cade na sexta-feira. A empresa também vai contestar a decisão da juíza Pollyana. A disposição pela briga ficou ainda mais clara depois de a empreiteira ter ingressado com uma ação na Justiça de Nova York, para impedir que a americana GE quebre a cláusula de exclusividade.

O governo tem pelo menos dois motivos para buscar competidores. Como se trata de um leilão reverso, o preço teto da energia só será reduzido com a disputa lance a lance.

- Quanto menos competição você tiver, menor a possibilidade de o preço baixar. A questão é basicamente preço - admite Tolmasquim.

Outra razão é política: o governo do PT, que sempre criticou a forma de privatização da Telebrás no governo Fernando Henrique, teria o constrangimento de admitir que o maior projeto do PAC, fundamental para garantir o fornecimento de energia na próxima década, teve de tudo, menos concorrência.

Camargo Corrêa rejeita alegação para exclusividade

A Odebrecht se defende, dizendo que os contratos de exclusividade são praxe no setor e que o governo foi pressionado pelos concorrentes. A SDE, segundo o diretor de Infra-estrutura da Odebrecht Investimento, Irineu Meirelles, tomou uma decisão política e sem critérios técnicos. A empreiteira acusa a concorrência, especialmente a Camargo Corrêa, de procurar informações estratégicas e confidenciais entre seus fornecedores.

- Isso não existe. A Odebrecht não ensina fabricante algum a fazer turbinas - reage João Canellas, diretor da Camargo Corrêa.