Título: Conflito em pauta
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 25/09/2007, O País, p. 2

O presidente do TSE (e ministro do STF) Marco Aurélio Mello acompanha, com perplexidade, as notícias sobre a migração partidária de dezenas de parlamentares antes do dia 5 de outubro, quando, pela regra em vigor, termina o prazo de refiliação com vistas à eleição do ano que vem. Eles já não parecem temer que o STF, no dia 3, reitere a interpretação do TSE, de que a mudança implica em perda de mandato. "Fico espantando com esta desenvoltura que ignora o Direito e o funcionamento das instituições", diz Marco Aurélio.

Se todas as mudanças que estão sendo faladas se concretizarem, só o Partido Democratas perderá dez deputados e quatro ou cinco senadores. Um deles, César Borges, da Bahia, já confirmou sua ida para o PR, por causa de conflitos com Paulo Souto no DEM baiano. Algumas mudanças ocorreriam entre partidos da base governista, por razões de acomodação regional, mas a grande maioria seria composta por deputados da oposição de mudança para a coalizão governista.

- Esse streap-tease é o que mais me choca. Eles já não dissimulam os interesses, embora saibam que estão sob o olhar atento da sociedade e dos eleitores. Mas eu creio no Direito, acredito que no dia 3 o Supremo vá confirmar a decisão do TSE - diz o ministro, fazendo contas.

Se o STF fizer isso, vão por água abaixo os planos do governo de se libertar, pela cooptação de senadores oposicionistas, de sua desconfortável situação no Senado, onde hoje não tem, por exemplo, condições de aprovar a continuidade da cobrança da CPMF sem a ajuda da oposição.

Para o STF adotar a interpretação que Marco Aurélio sustentou no TSE, obtendo a aprovação de mais dois ministros que, como ele, integram a corte eleitoral, (Carlos Ayres Britto e Cezar Peluzo) seriam necessários mais três votos. E como o ministro Celso Mello, em 1989, já acompanhou um voto do então ministro Paulo Brossard com o mesmo sentido (o mandato é do partido, que tem o direito de colocar o suplente no lugar do migrante), ficariam faltando apenas dois votos a serem conquistados entre os outros sete ministros do STF. Um deles pode ser o de Gilmar Mendes, que informalmente vem se manifestando contra a livre migração. Se for assim, faltará apenas um para a decisão se confirmar no dia 3.

Mas irá o STF adotar também a punição retroativa, para os que já mudaram de partido, como entende o TSE, ou dirá - como parece mais de acordo com o preceito de que a lei não retroage - que a perda de mandato será aplicada apenas aos que trocarem de partido após a decisão? No primeiro caso, os 38 governistas que já mudaram este ano iriam para a forca. No segundo, os que estão de malas prontas teriam que recuar, frustrando os planos governistas.

Para Marco Aurélio, o olhar do STF tem a lei como referência, não o calendário ou os interesses eleitorais. Vale dizer, a decisão valeria para a frente e também para trás. De todo modo, parece claro que o STF está disposto a passar um sabão no Congresso, fazendo o que ele já devia ter feito, e pondo freio a um dos costumes mais daninhos da política nacional, a infidelidade ao eleitor. Mas para isso, estará abrindo, inegavelmente, uma disputa, para não dizer conflito, com o outro poder.