Título: A PF e o procurador
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 27/09/2007, O Globo, p. 2

O procurador-geral Antonio Fernando criticou a natureza opinativa do relatório da Polícia Federal sobre o valerioduto mineiro. Não teria gostado das "deduções" sobre a participação do ministro Walfrido dos Mares Guia no caixa dois da campanha de Eduardo Azeredo nem do endosso a uma lista de beneficiários de origem duvidosa. A PF também já acusou o procurador de ter acelerado a denúncia do mensalão, bancando até a formação de quadrilha, sem esperar por investigações complementares. Essa é uma velha e perigosa briga, que ainda será arbitrada pelo STF.

Uma briga preocupante nesses tempos de cólera política e indignação com a corrupção. Uma tal disputa entre o Ministério Público e a Polícia Federal tanto pode favorecer injustiças contra inocentes quanto a impunidade para culpados.

O que está no STF é uma ação sobre a autonomia da PF para conduzir investigações, que a lei reserva ao Ministério Público. A PF quer ter o direito de iniciar investigações, e não apenas o dever de atender aos pedidos dos procuradores. Esse pleito, aparentemente bem-intencionado, pode ter o seu avesso, quando o tempo é pautado pela justa indignação contra os desvios, a corrupção e a impunidade, estimulando a busca dos troféus de caça.

No caso do valerioduto mineiro, o dilema do procurador estaria em ser tão severo quanto foi no caso do valerioduto federal, sem ter que, para isso, endossar as conclusões da PF que considera frágeis ou precipitadas. Ele receberá amanhã documentos de Mares Guia que devem derrubar cabalmente pelo menos uma acusação, a de que movimentou recursos de procedência desconhecida. O ministro é rico, e não é por isso que merece crédito. Mas o negócio milionário que fez ao vender a Biobrás é conhecido, foi público e notório. Infelizmente para os diabéticos, porque o preço da insulina subiu.

O relatório da PF deu crédito à chamada "lista de Claudio Mourão", que nasceu como "lista de Furnas". A PF atestou a autenticidade material de um documento, de fato original, a última das três versões em fotocópia apresentadas pelo lobista Nilton Monteiro. Mas entre a materialidade e a veracidade do conteúdo há boa distância.

A PF acusou o ex-ministro Silas Rondeau de ter recebido propina de R$100 mil, o que até agora não foi provado. O ministro do STF Gilmar Mendes foi vítima de uma retaliação rasteira, por ter concedido habeas corpus a presos da Operação Navalha. A PF vazou o nome de um homônimo dele como beneficiário das propinas da construtora Gautama.

Fujamos da tentação maniqueísta de achar que a PF é do mal e o Ministério Público é do bem. Ou vice-versa. Ambos têm prestado bons serviços, mas ambos não têm sido imunes à vertigem da publicidade de seus atos. Um dia, tomara, o clima vai mudar. O combate à corrupção prosseguirá, mas não como arma da luta política. Talvez isso já esteja começando com o caso do valerioduto. Os tucanos não tentam tapar o sol com a peneira. O governador Aécio Neves diz que Eduardo Azeredo deve satisfações à sociedade pelo caixa dois de 1998. E o PT, mesmo gostando da volta do cipó de aroeira, não tem falado em "mensalão do PSDB". Até porque, no caso da lista, como diz o deputado Paulo Renato, o PSDB está em companhia de outros partidos, inclusive do PT mineiro, e em quinto lugar.