Título: Quem decide é o autor
Autor: Mello, Roberto Corrês de
Fonte: O Globo, 28/09/2007, Opinião, p. 7

TEMA EM DEBATE: Direitos autorais

Estamos assistindo a uma mutação dos veículos de comunicação. Um exercício de todos para se adaptarem às novas mídias, inclusive e principalmente as mídias digitais. Exercendo a função política e institucional que incumbe aos gestores das sociedades que representam a classe autoral, e em especial aos titulares de obras musicais, visuais, dramatúrgicas e audiovisuais, temos questionado muito as discussões relativas à protetividade autoral e a forma de exercitá-la.

O ministro Gilberto Gil iniciou o debate, pondo em discussão a possibilidade de convivência do modelo tradicional de gestão dos direitos de autor, para o qual prestam suas contribuições sociedades autorais, como a que dirigimos (Abramus) e um modelo libertário, inspirado numa derivação do sistema norte-americano de copyright, denominado "creative commons", que permite uma interatividade livre entre titulares, suas obras, usuários e novos criadores.

Recentemente, o compositor Fernando Brant, que preside outra importante sociedade autoral, fez críticas à discussão iniciada pelo ministro Gilberto Gil. Ambos são importantes representantes da classe artística autoral brasileira, suas idéias contribuem para entendermos o cenário das mídias digitais. Mas a discussão exacerbou a serenidade que deve pautar tal debate. E Gilberto Gil, de quem se pode concordar ou não, é ministro de Estado e merece o respeito de todos nós.

Na verdade estamos com muita ansiedade e surpresa sobre um tema que pouco, muito pouco, tem de novo. Por quê? A Carta Constitucional de 1988 já consagrou tal direito no artigo 5º, incisos XXVII e XXVIII, explicitando de forma assertiva que só compete ao autor o direito de usar, fruir, dispor e gozar de sua criação da maneira que quiser. É o autor quem decide, numa exteriorização da facultas agendi, do direito subjetivo material que lhe compete. Esse é o modelo antropocêntrico de direito autoral, que, nos exatos termos da nossa legislação (lei nº 9.610/1998), direciona ao criador o universo de direitos que decorre do ato da criação.

"Creative Commons" é assim tão visceral? Criativo como, se a Carta Magna já consagra o direito do autor? Se a legislação ordinária segue o mesmo antropocentrismo, formatando a ilação cartesiana de que o titular disponibilizará sua criação como bem desejar, a discussão se esvazia.

Contudo, há uma preocupação maior e dela trataremos. Cuidados todos terão para gerir conteúdos em novos formatos. Explico. As novas mídias são céleres e interativas e há interesses enormes dos disponibilizadores de conteúdo, provedores e veiculadores, que têm em suas mãos um novo e fenomenal negócio - disponibilizar ao público (principalmente aos mais jovens) conteúdos musicais, dramatúrgicos, visuais e audiovisuais. A cadeia produtiva de tais conteúdos, por certo, é importante, principalmente os criadores, e não podem ficar alijados da nova relação comercial.

E não ficarão porque há partícipes importantes que têm interesses autorais e os preservarão. São os autores, os editores, os intérpretes, os autores de dramaturgia, os artistas plásticos, os produtores fonográficos, os músicos, os arquitetos, os web designers, enfim um verdadeiro universo de criadores e titulares. Os modelos conviverão.

A classe autoral não é contra o "creative commons", mas contra o espírito do discurso que o alicerça. Não se pode institucionalizar a discussão sobre direitos constitucionais. O cuidado que se deve ter é o de não compelir os menos versados na gestão de repertórios ao equívoco de imaginar que, por terem disponibilizado o livre uso de suas obras, sem contraprestação financeira, poderão ter mais visibilidade para o público. Cuidado. Há artistas, como Prince (que disponibilizou seus fonogramas livremente), que buscaram a contrapartida com um crescente público para seus espetáculos. Mas, por outro lado, há autores que não têm visibilidade, são letristas, versionistas, arranjadores, autores que não são intérpretes de suas obras. Precisam manter suas famílias, têm no direito autoral seu sustento. É preciso respeitá-los e dar-lhes a sustentabilidade inerente ao processo criativo da obra intelectual.

Enfim, quem decide é o autor. Faz o uso que bem desejar de sua obra. Não há nada de novo a discutir, em face do nosso inteligente sistema legal. Portanto, o tema é criativo como?

ROBERTO CORRÊA DE MELLO e WALTER FRANCO são dirigentes da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus).