Título: Um leilão com o dedo do Estado
Autor: Paul, Gustavo e Tavares, Mônica
Fonte: O Globo, 28/09/2007, Economia, p. 29

Subsidiárias da Eletrobrás se unem a 4 grupos privados para disputar usina do Madeira.

Oministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, anunciou ontem que foram fechadas quatro parcerias entre as subsidiárias do grupo Eletrobrás e as empresas privadas que participarão do bilionário leilão da usina hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira (RO), previsto para 22 de novembro. O único consórcio conhecido era o de Furnas com a construtora Norberto Odebrecht. Preocupado em garantir a disputa no leilão, o governo determinou que as estatais procurassem sócios privados. A iniciativa gerou os seguintes acordos: a construtora Camargo Corrêa se unirá à Chesf; o grupo paulista Alusa, à Eletronorte; e o grupo francês Suez, à Eletrosul.

As demais empresas que manifestaram interesse na usina - cuja licitação é a maior do ano, com investimento previsto de R$9,2 bilhões - deverão formar sociedades com esses grupos anunciados. Entre elas estão Grupo Rede, Vale do Rio Doce, Votorantim Energia, Cemig, Light, CPFL e Andrade Gutierrez. O vencedor do leilão é considerado franco favorito para levar a usina de Jirau, que completa o Complexo do Madeira. Ela será licitada no fim do primeiro semestre de 2008 e deverá demandar outros R$9,2 bilhões.

- Fiz uma reunião com o grupo Eletrobrás demonstrando como eram as regras. A partir daí, a negociação foi conduzida pelo grupo, que fez diversas reuniões - disse o ministro, para quem não há desequilíbrio nesse modelo de consórcios com as subsidiárias, embora reconheça que havia preferência pela Eletronorte, "que conhece melhor a região".

Estatal é certeza de financiamento

Na opinião de analistas do setor de energia, cada estatal tem uma característica diferente, capaz de torná-la atraente para os parceiros. A Eletronorte, apesar do prejuízo de R$349 milhões em 2006 - devido à energia subsidiada vendida para a região amazônica -, tem experiência na construção de hidrelétricas na Região Norte, sendo o principal exemplo a usina de Tucuruí.

A Chesf tem larga experiência na construção de hidrelétricas no Rio São Francisco e uma situação econômica sólida. Segundo o presidente da estatal, Dilton Oliveira, a empresa tem capacidade de investimento de R$2,3 bilhões:

- Avaliamos propostas de sete interessados privados, e temos certeza de que com a Camargo Corrêa faremos grande parceria. Teremos 49% do grupo e eles, o restante.

Já a Eletrosul, que teve sua parte de geração vendida em 1998 para a Tractebel (atual Suez), é considerada uma empresa enxuta e capaz de tomar decisões rápidas. Mas, para analistas, o fator mais importante para determinar as chances dos grupos recém-criados será a capacidade financeira dos sócios privados. A importância estratégica da parceria estatal é a garantia financeira e de engenharia que a Eletrobrás dará depois do leilão.

- A parceria estatal dá mais garantias para o vencedor obter financiamento externo, além de trazer a certeza de que o governo apóia a obra e de que ela será terminada - diz o especialista Jorge Trinkenreich, da PSR Consultoria.

- A Eletrobrás é a garantidora de suas próprias empresas - acrescentou Hubner.

Inicialmente, a idéia do governo era associar a Eletrobrás às empresas privadas somente depois do leilão. O contrato assinado entre Furnas e a Odebrecht, que exigia exclusividade, impediu essa estratégia. O ministro admitiu que as cláusulas de exclusividade dos contratos com os fornecedores podem afetar a competição no leilão. Em último caso, isso poderá até causar um novo adiamento da licitação, como publicou domingo O GLOBO.

- Se virar um impasse, uma guerra judicial, você pode atrasar o leilão, e isso não interessa a ninguém - disse Hubner.

Exclusividade dificulta parcerias

Ontem, o Grupo Suez revelou que também está com dificuldades de estabelecer parcerias para fornecimento de outros equipamentos - além das turbinas - destinados às usinas do Madeira. Segundo Vitor Paranhos, presidente da Energia Sustentável do Brasil, subsidiária criada para disputar a licitação, fornecedores de transformadores para subestações de energia se dizem impedidos de atender aos pedidos, em razão da exclusividade exigida pela Odebrecht.

- Procuramos cinco empresas, e três disseram que não podem nos atender. Mas achamos que o governo está tomando todas as providências para resolver essa situação - disse Paranhos.

A disputa jurídica em torno da licitação começou no dia 14, quando a Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, suspendeu os contratos de exclusividade. A Odebrecht entrou com recursos no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e também no Tribunal Regional Federal. A empresa nega que queira prejudicar o leilão.

- A Odebrecht não é, nem será, responsável por qualquer alteração no cronograma do leilão. Não fomos nós quem demos início à contestação junto à SDE e não aceitamos virar bode expiatório - disse Irineu Meireles, diretor da empreiteira.