Título: Um ano depois, ainda o risco
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 29/09/2007, O País, p. 3

A CRISE CONTINUA

Falhas de controle, sobrecarga e falta de pessoal ameaçam segurança do tráfego aéreo.

Um ano depois da tragédia com o vôo 1907 da Gol, que caiu no Norte de Mato Grosso, matando 154 pessoas, dados indicam que ainda é precário o sistema de controle de tráfego aéreo brasileiro. Relatos de controladores de vôo e documentos mostram que os equipamentos do Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego de Brasília (Cindacta 1) ainda apresentam falhas que põem em risco a segurança de tráfego de aeronaves. Revelam também que há sobrecarga de trabalho e falta de pessoal. Outras medidas que chegaram a ser anunciadas, como a desmilitarização dos controladores e reajuste de salários, não foram cumpridas. A FAB, no entanto, afirma que vem investindo na formação de profissionais e garante que o controle aéreo é moderno e eficiente.

Ocorrência registrada no dia 19 passado no sistema eletrônico de pane do Cindacta I (Brasília) expõe falhas nos equipamentos e revela que o tráfego aéreo na Área Amazônica continua arriscado. O relato, obtido pelo GLOBO, mostra que, por volta das 7h30m, o monitor de um radar registrou uma mudança de posição do avião cargueiro prefixo VLO 9090, da VarigLog, sem que a aeronave tenha alterado sua rota. O problema, fruto de falhas no software, induziu o controlador a coordenar o vôo de forma incorreta.

O avião da VarigLog partiu de Guarulhos com destino a Manaus. A falha no sistema aconteceu quando a aeronave sobrevoava o ponto virtual Teres, no limite entre o espaço aéreo de Brasília e Manaus, onde a Aeronáutica perdeu contato com o Legacy no dia da tragédia. A tela do radar acusou que o cargueiro subiu do nível 340 (34 mil pés) para 360 (36 mil pés), mas na verdade o avião continuou na posição anterior. Um controlador, que pediu para não se identificar, confirmou que o erro ocorreu e foi percebido pelo controle de Manaus, que acionou o Cindacta 1.

Mesmo tendo o avião da VarigLog se mantido no nível par (aerovia de quem segue do Sul em direção à Amazônia), outro avião, no sentido contrário, poderia estar utilizando o nível 350 (35 mil pés) e solicitado mudança para o 330 (33 mil pés) devido a problemas de meteorologia, por exemplo, pedido freqüente na região. Como o controlador estava recebendo a informação de que o cargueiro estava no nível 360, ele poderia ter autorizado a descida. Na mudança de nível das duas aeronaves, elas poderiam colidir.

A assessoria de imprensa da Aeronáutica disse que não iria comentar a denúncia e reafirmou que voar no Brasil é seguro e eficiente. O relator da CPI do Apagão Aéreo no Senado, Demóstenes Torres (DEM-GO), disse que a Aeronáutica admitiu em relatórios enviados à CPI que enfrenta problemas de defasagem tecnológica.

- A Aeronáutica admite que o sistema precisa de atualizações constantes, mas que faltam recursos financeiros - disse o relator, que defende uma auditoria internacional independente: - Os controladores dizem que o sistema não é seguro, a Aeronáutica por sua vez contesta.

Controladores de vôo reclamam que, um ano depois do acidente, a Aeronáutica ainda não conseguiu resolver outras falhas do sistema de controle aéreo, como a duplicação de imagens nos radares. Um sargento afirmou que o software de controle não foi trocado.

O acidente abriu uma crise no controle aéreo e levou os controladores a fazer um motim no dia 30 de março, parando os aeroportos do país. O Comando da Aeronáutica, com carta branca do presidente Lula, enquadrou sargentos, afastou líderes e engavetou promessas como a desmilitarização dos profissionais. Para contornar a crise, criou dois corredores especiais para desafogar o tráfego no Cindacta I e tomou medidas pontuais para sanar algumas falhas no sistema.

Aeronáutica diz que há segurança

Os controladores contam também que, para evitar vazamentos de relatórios de perigo, a Aeronáutica proibiu os profissionais de incluir as panes no Livro de Registro de Ocorrências (LRO). Agora, os incidentes são registrados só no sistema eletrônico, chamado Situação de Meios Operacionais (SMO), que exige senha para acesso. O papel ficou restrito a problemas administrativos. Eles afirmam ainda que os ajustes feitos pela FAB nos equipamentos para melhorar o alcance e a qualidade das freqüências não foram suficientes para sanar todos os problemas. Em alguns estados, como São Paulo, Rio e os do Norte, ocorre, segundo eles, perda de contato via rádio com os pilotos.

A Aeronáutica admite que ocorreram problemas, como atrasos e cancelamentos de vôos, mas garante que a segurança nunca foi comprometida e que foram tomadas medidas na aérea técnica e na de recursos humanos. Em nota, a Aeronáutica afirma que 600 novos controladores militares estarão formados até o fim de 2008.

A Aeronáutica disse ainda que transferiu controladores de outras regiões para o Cindacta 1 "com o objetivo de suprir a necessidade inicial" de mão-de-obra especializada. Diz ainda que contratou e treinou controladores da reserva e que realizou concurso para contratar 64 controladores civis, que se formarão no fim do ano. Segundo a FAB, também foram adotadas medidas para modernizar os equipamentos.