Título: Mesmo mulheres casadas chefiam famílias
Autor: Almeida, Cássia e Martin, Isabela
Fonte: O Globo, 29/09/2007, O País, p. 12
RETRATOS DO BRASIL: Segundo o IBGE, a mulher é considerada chefe em 29,2%, contra o percentual de 21,6% de 1996.
Entre casais em que ambos trabalham e ela é citada como chefe, 70% dos maridos ganham igual ou mais que elas.
RIO e FORTALEZA. A Síntese dos Indicadores Sociais, divulgada ontem pelo IBGE, trouxe mais que números sobre as desigualdades de gênero no país: mostrou mudanças no comportamento feminino em casa. As mulheres estão mais poderosas, principalmente no Nordeste. Mais educadas e inseridas no mercado de trabalho, elas assumem a chefia da família, mesmo com marido em casa.
O IBGE usou o termo "empoderamento" para classificar esse fenômeno, que pode vir pela entrada maciça no mercado de trabalho, com aumento da renda e da escolaridade e uma mudança do papel da mulher na família. A mulher é considerada chefe em 29,2% dos domicílios, numa proporção bem superior aos 21,6% de 1996. Nas famílias com marido e mulher, as chefes com marido representam 20,7% (mesmo quando não ganham o salário mais alto), num avanço na comparação com dez anos atrás, quando eram apenas 9,1%. Entre os casais em que ambos trabalham e a mulher é citada como chefe, 70% dos maridos ganham igual ou mais que elas.
É no Nordeste que essa presença feminina é mais forte no lar. Fortaleza exibe o maior percentual de casadas chefes de família: 30,5%. Há dez anos na cidade, Gilva Bernardino dos Santos, de 22 anos, casada com o desempregado Francisco José da Silva, é a chefe da família. Grávida de cinco meses, é dela a responsabilidade de bancar as despesas e de alimentar as duas filhas, Giovana, de 4 anos, e Joyce, de 2, com o salário de R$220 que ganha como doméstica.
Francisco, de 27 anos, está sem emprego há quatro meses. Ele trabalhava de servente, mas tem aceitado qualquer serviço que aparece para ganhar algum dinheiro.
- Nessas condições, eu me considero a chefe da família porque sou eu que estou mantendo a casa - diz Gilva.
Mas assumir essa posição dentro da casa é uma conquista dura para Gilva, numa região onde o machismo é um traço forte. A nova condição tem provocado brigas entre o casal:
- Ele diz que quero mandar só porque dou as coisas.
O casal mora junto desde que ela tinha 12 anos, mesmo contra a vontade dos pais. A mãe de Gilva, Rosa Inês Santos, de 36 anos, está grávida de quase nove meses do sexto filho. Ela teve a menina aos 14 anos.
Educação é um dos motivos de mudança
Para Ana Lúcia Saboia, coordenadora da Síntese, um conjunto de motivos explica essa mudança na organização familiar. O primeiro é a educação.
- Com mais escolaridade, a mulher se sente mais confortável para dizer que é pessoa de referência. Essa taxa maior no Nordeste pode esconder também o desemprego dos homens. Sem renda, perdem a chefia.
A socióloga Petilda Vazquez, do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da Universidade Federal da Bahia, diz que esse poder feminino está crescendo à custa da sobrecarga de trabalho.
- Ela é cobrada para ser competente na administração da casa, na educação dos filhos e no trabalho remunerado. A mulher é suporte do mundo, agora precisa tomar posse.