Título: Massacre impune
Autor: Rocha, Leonel
Fonte: Correio Braziliense, 15/04/2009, Brasil, p. 08

Eldorado dos Carajás, 13 anos

Treze anos depois, a Justiça ainda se debate em um emaranhado de recursos dos acusados pelo massacre de 22 agricultores sem-terra em Eldorado dos Carajás, sul do Pará, em 17 de abril de 1996. Os camponeses foram assassinados com tiros de revólver, fuzil e metralhadoras por cerca de 200 soldados e oficiais da Polícia Militar escalados para desobstruir a PA-150. A rodovia estava bloqueada pelos trabalhadores, que protestavam contra o atraso no programa de reforma agrária do governo. Na hora do conflito, 19 homens tombaram. Outros três morreram poucos dias depois de baleados.

Vários pedidos de habeas corpus e um recurso especial impetrados pelos advogados de defesa dos réus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando vício formal na acusação, deixaram impunes até hoje o coronel José Mário Colares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira, responsabilizados pela matança juntamente com outros 153 soldados e um capitão envolvidos na ação.

Condenados pelo tribunal do júri a penas de 228 e 154 anos, respectivamente, Pantoja e Oliveira permanecem livres. Os dois estão aposentados e tecnicamente não podem ser considerados condenados, já que o processo ainda não transitou em julgado ¿ restam recursos nos tribunais superiores. Todos os soldados foram absolvidos e, no ano passado, vários foram promovidos a cabo.

¿É uma situação extremamente grave em se tratando do crime que foi cometido. Nós temos que tirar isso a limpo, não podemos deixar o caso parado¿, afirma o subprocurador federal Eugênio Aragão. Ele não esconde que considera a matança dos camponeses um ataque da PM contra a população.

O conflito também deixou outros 70 sem-terra com graves mutilações. Desde ontem, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está realizando manifestações e organizando acampamentos de camponeses no local da chacina e em Belém. O objetivo é lembrar os mártires pela reforma agrária. As famílias dos mortos e feridos foram indenizadas pelo atual governo do estado. ¿Estamos esperando durante mais tempo o julgamento dos recursos impetrados pelos réus do que o prazo gasto no júri popular que condenou os oficiais¿, protesta o advogado José Batista Afonso, da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Demora A pedido da ministra Laurita Hilário Vaz, encarregada de julgar os recursos dos réus no STJ, em maio de 2006 o procurador Aragão emitiu parecer contestando a alegação da defesa dos réus de que haveria erro formal no julgamento dos oficiais. O procurador estranha que o processo tenha ficado fora do gabinete da ministra durante oito meses, entre julho de 2008 e 25 de março deste ano. Os autos estavam em poder dos advogados dos réus. Em julho de 2007, os assistentes da acusação solicitaram formalmente que o STJ julgasse o processo, que já acumula 48 volumes e mais de 10 mil páginas. A ministra não se pronunciou sobre o processo e nem há previsão de definição.

A matança na estrada que liga as cidades de Marabá e Redenção, no ponto conhecido como ¿Curva do S¿ ¿ nome dado pela característica do perigoso trecho da rodovia que corta o Pará de norte a sul ¿, teve repercussão internacional. Na ocasião, aproximadamente mil famílias de sem-terra estavam acampados na Fazenda Macaxeira, um latifúndio de pecuária improdutivo, e resolveram fazer uma passeata pela rodovia. O grupo terminou decidindo ir de ônibus até Belém para tentar uma audiência com o então governador Almir Gabriel (PSDB), mas foi cercado e impedido pela ação da polícia. A propriedade terminou desapropriada pelo governo estadual e hoje abriga o Assentamento 17 de abril.

Atacados com tiros, os sem-terra se defenderam atirando paus, pedras e ferramentas nos policiais. De acordo com a perícia feita na ocasião, muitos trabalhadores foram mortos à queima-roupa, com tiros no tórax ou na cabeça. Alguns chegaram a ser chacinados a golpes de foice e de facão, quando já estavam feridos ou imobilizados. Não há relatos de mulheres e crianças assassinadas, o que seria mais um sinal de premeditação na ação dos policiais.

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