Título: Aliança contra o calçado chinês
Autor: Rodrigues, Lino
Fonte: O Globo, 29/09/2007, Economia, p. 39

Entidades de 9 países latino-americanos propõem união para conter invasão de importados.

Entidades de classe que representam as indústrias de calçados de Brasil, Argentina, México, Uruguai, Chile, Venezuela, Colômbia, Equador e Paraguai estão criando uma espécie de aliança continental para conter o que chamam de "invasão chinesa". A idéia é pressionar os governos da região a tomarem medidas de defesa comercial contra a concorrência "desleal" dos asiáticos. A lista de sugestões consta de documento elaborado, no fim de agosto, por representantes dos nove países durante encontro latino-americano de câmaras de indústrias de calçados, que aconteceu em Buenos Aires.

O documento, que está sendo visto como o embrião de uma instituição internacional do calçado, contém nove medidas que visam a minimizar os efeitos das importações de calçados de China e Vietnã nos mercados da América Latina. Cláusulas de salvaguarda, valores de referência para os produtos asiáticos, aduanas especializadas e mais rigorosas, além de ações antidumping e pressão junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) para impedir a redução tarifária proposta pelos chineses são algumas das medidas sugeridas aos governos dos nove países. Os calçadistas querem também que a OMC obrigue os fabricantes asiáticos a cumprir as normas estabelecidas pela organização Internacional do Trabalho (OIT).

Milton Cardoso, presidente da Abicalçados, que representa as indústrias calçadistas no Brasil, propõe ainda a formação de uma cadeia de fabricação latino-americana de calçados, para aumentar sua competitividade. Ele classifica a ameaça chinesa como "assustadora". E mostra números para justificar o receio do setor: de cada dez pares de sapatos vendidos no mundo, oito saem de fábricas asiáticas.

- É decisão dos governos querer ou não um complexo calçadista forte, mas a integração e a diversificação das indústrias pode ser uma medida de fortalecimento para o setor - disse.

No Brasil, importação triplicou em 3 anos

A princípio, o governo diz apoiar a idéia. O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, avalia que seria possível "identificar as vantagens comparativas de cada país, trabalhar nelas e ganhar com produtos mais competitivos". Segundo ele, se o Brasil produz o melhor couro da América do Sul, por exemplo, poderia ser o fornecedor desse produto para os outros países.

- Ou, se a melhor mão-de-obra é de outro país, formaríamos uma espécie de cadeia produtiva latino-americana ou sul-americana. Como já quase acontece com a indústria automobilística - afirmou, referindo-se à união já existente entre Brasil e Argentina nesse setor, em que fábricas de automóveis de ambas nacionalidades são abastecidas por fornecedores de autopeças de outros países da região.

O crescente avanço do calçado produzido pelos chineses no mundo pode ser comprovado pelos números do instituto inglês Satra: de 1990 a 2005, a China elevou sua produção anual de 2,7 bilhões de pares para 9 bilhões. No mesmo período, as exportações passaram de 800 milhões de pares para 7,6 bilhões de pares. No Brasil, as importações brasileiras de sapatos cresceram 194% entre 2003 e 2006. Até agosto de 2007, chineses e vietnamitas responderam pela importação pelo Brasil de 15,8 milhões de um total de 17,4 milhões de pares, o equivalente a US$109 bilhões.

O Brasil ocupa a terceira posição mundial entre os fabricantes de calçados, com 9 mil indústrias, 298 mil trabalhadores e produção anual de 796 milhões de pares. Por isso, Cardoso considera fundamental a adoção de medidas por parte do governo que garantam competitividade ao sapato brasileiro no mercado mundial.

Ele cita o câmbio como um dos fatores que têm ajudado os fabricantes asiáticos a expandirem suas exportações para cá. A aprovação do projeto de lei pela Câmara, na terça-feira, que restabelece benefícios fiscais a setores afetados pelo dólar baixo, como o calçadista, é vista como positiva, mas insuficiente diante da crescente entrada dos produtos chineses.