Título: Raposa Serra do Sol em pé de guerra
Autor: Taves, Rodrigo
Fonte: O Globo, 30/09/2007, O País, p. 3

Produtores de arroz resistem a operação para desocupar reserva, e índios dão ultimato ao governo.

Adecisão do governo federal de protelar a operação policial de retirada de sete grandes produtores de arroz da área indígena de Raposa Serra do Sol, em Roraima, transformou a reserva num barril de pólvora prestes a explodir. Há uma semana, seis malocas foram incendiadas numa das 194 aldeias da reserva, e os índios, divididos em oito diferentes grupos, atribuíram o crime a arrozeiros interessados em aumentar a briga entre eles. Os índios também acusam os rizicultores de contratar seguranças armados para rodar de moto pelas comunidades, sempre à noite, disparando tiros para cima e fazendo arruaças.

Em junho, no mais grave conflito dos últimos meses, índios atiraram flechas contra motoqueiros a serviço do rizicultor Paulo César Quartiero, que se nega a sair da reserva, apesar de já ter sido indenizado pela Funai, e é acusado de provocar o terror na aldeia Surumu, próxima de uma de suas fazendas. Pouco antes, os motoqueiros tinham destruído um barracão que estava sendo construído pelos índios, num ato em que agrediram pessoas, furaram tambores de óleo diesel e misturaram o combustível à comida que estava sendo estocada pelos macuxis e wapichanas. Umas das flechas atingiu e feriu uma garota que estava na garupa da moto de um dos jagunços.

Fazendeiro diz que resistirá à força à operação de retirada

A operação de retirada dos sete arrozeiros, os últimos a resistir à desocupação da terra indígena, estava prevista para no máximo este mês, mas foi mais uma vez adiada por causa das ameaças de Quartiero, que fala em resistir à força à ação da Polícia Federal e do Exército. O governo teme que o rizicultor use, na linha de frente de sua resistência, os índios ligados à Sodiur, um dos oito grupos indígenas de Raposa Serra do Sol. Muitos dos índios da Sodiur são empregados de Quartiero, ou recebem benefícios dos produtores. Um confronto durante a operação teria repercussão internacional negativa.

O problema é que os índios que reivindicam a desintrusão da área são a grande maioria dos 19 mil indígenas de Raposa Serra do Sol, e têm a seu favor a sentença definitiva do Supremo Tribunal Federal (STF), expedida há mais de um ano e meio, determinando a retirada de todos os não-índios da reserva. Mais de cem fazendeiros e outros 300 brancos já deixaram a área a caminho de assentamentos do Incra, e receberam parte dos R$12 milhões em indenizações já pagos pela Funai. Agora, os índios já não aceitam mais a promessa, muita vezes reiterada e descumprida, de que os sete arrozeiros serão retirados.

- A paciência está acabando, já está demorando demais. Como os índios vão aceitar ser destruídos em sua própria casa? É o último recado que estamos dando. Acredito que já tivemos calma até demais. Não dá mais para sermos perseguidos e destruídos dentro de nossas próprias terras - diz o macuxi Válter Oliveira, coordenador, na aldeia Surumu, do Conselho Indígena de Roraima (CIR), uma das oito entidades de índios de Raposa.

Do lado oposto, Paulo César Quartiero tem a seu favor o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), o deputado federal Márcio Junqueira (DEM-RR), parte dos deputados estaduais, quase todos os agropecuaristas do estado, e a imprensa de Roraima, que faz intensa campanha contra os índios e contra a operação do governo federal.

Estradas federais foram bloqueadas e agentes da PF, seqüestrados

Estradas federais já foram bloqueadas, a sede da superintendência da Polícia Federal foi interditada por manifestantes, dois agentes da PF foram seqüestrados dentro de Raposa Serra do Sol por índios ligados a Quartiero, e a Assembléia Legislativa é palco de manifestações semanais a favor dos produtores de arroz. Quartiero avisa que isso é só o começo.

- Se eles fizerem mesmo a operação, temos condições de enfrentar. Simplesmente vamos paralisar o estado, trancar as estradas, os aeroportos e os rios. O governo Lula está brincando, vai morrer gente aqui. Este estado é um barril de pólvora à beira da comoção social. Basta darmos uma bandeira para o povo e isso aqui vai explodir - ameaça o rizicultor, enquanto continua plantando arroz e soja em suas propriedades como se nada estivesse acontecendo.