Título: Juros da discórdia
Autor: Machado, Antônio
Fonte: Correio Braziliense, 09/04/2009, Economia, p. 18

Lula troca comando do BB. IPEA defende mais bancos estatais. Mas o dedo na ferida ninguém põe.

Por Antônio Machado cidadebiz.df@diariosassociados.com.br

É simples, simplista demais, a conclusão de uma nota da direção do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, o IPEA, segundo a qual a redução do número de bancos estatais depois de 1996, quando a maioria, até alguns federais, estava no osso, obrigando o desvio de dinheiros sociais para saneá-los, contribuiu para o aumento dos juros. A banca deve ter adorado. Tira foco do que lhes interessa.

Até os bancos públicos comerciais remanescentes, hoje menores em número, mas mais parrudos que antes ¿ e muito ¿competitivos¿ com os privados, já que as taxas cobradas não diferem tanto assim nas principais linhas de crédito entre todos ¿ devem ter apreciado.

Fossem ¿solidários¿ com o sufoco dos devedores, sobretudo nestes tempos de escassez de crédito, e o presidente Lula, semanas atrás, não teria advertido a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil sobre o alto nível nas duas instituições dos spreads ¿ a diferença entre o custo de captação e de aplicação do dinheiro.

Por não ter atendido o apelo de Lula, o presidente do BB, Antonio Francisco Lima Neto, foi instado a ¿pedir¿ demissão, substituído prontamente por outro do quadro de carreira, Aldemir Bendine. Os dois são próximos ao PT, mas Bendine deve ser visto como mais maleável que Lima Neto. Ele se preocupava com a transparência dos dados do BB, que tem ações em bolsa ao contrário da CEF, e, por isso, teria mais dificuldade para forçar a queda do spread cobrado pelo banco.

O BB é o grande banco operador do crédito rural no país, alvo de sucessivas rolagens de dívidas. Para o balanço de 2008, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) autorizou uma mudança na relação com a Previ, o fundo de pensão dos funcionários do BB, que melhorou os resultados contábeis do banco. ¿A redução do spread bancário neste momento é uma obsessão¿, disse Lula sobre a saída de Lima Neto.

O nexo é que o sistema bancário está cartelizado ¿ um fato, como aponta a nota do IPEA ¿ e que os bancos públicos deveriam expandir o crédito a custos menores para induzir a banca a uma concorrência inexistente na prática. A tese está certa. Equivocada é a idéia de que o crédito é caro porque há poucos bancos públicos. Se fizessem diferença, bancos estatais seriam campeões no ranking dos spreads.

Banco é concessão A questão que se perde de vista nas análises sobre juros, crédito e endividamento público, cujos papéis fluem graças à intermediação da rede bancária, é que banco é concessão pública. Em nenhum lugar do mundo se abre um banco sem autorização oficial.

Capital, patrimônio, múltiplos do crédito, concentração de dívida por cliente, grau de risco, tudo é regulado, e por regras maiores, definidas pelo Bank for International Settlements (BIS) ¿ rede de bancos centrais baseada em Basiléia, Suíça. A observância a tais regras, chamadas de Basiléia I e II, poupou o Brasil na crise que afundou os sistemas bancários da Europa e, sobretudo, dos EUA.

Lá, desde os anos 1990, as regras prudenciais foram sendo relaxadas em favor da regulação de risco pelo mercado. Deu no que se sabe.

Estado fora à lona Os juros são altos não porque o Estado encolheu no setor bancário devido à visão, segundo a nota do IPEA, ¿sobre a superioridade das forças de mercado¿. O Estado encolheu por necessidade. Os bancos federais foram socorridos pelo Tesouro, nos anos 1990, com um aporte que beira em dinheiro de hoje o custeio anual de dois a três PAC.

No caso dos bancos dos estados a maioria foi à lona por razões ou técnicas, ao antecipar receitas fiscais nunca ressarcidas, ou até criminosas, ao servir a propósitos políticos de governadores dando crédito a quem não devia, além de leniência na execução da dívida.

Cumplicidade oficial Nos EUA, onde há mais de 8 mil bancos, nove explicam quase 70% do volume de crédito. O número de bancos não influencia a competição. Nem a origem estatal do capital: na França, o sistema é misto, e a banca é das mais rentáveis. O fundamento é o que se quer da banca.

Até ontem no país o governo quis dela crédito a conta-gotas para conter consumo, portanto, a inflação, e tomador cativo para papéis do Tesouro. É o que explica o nível recorde dos depósitos da banca retidos pelo BC, que também financiam o subsídio do crédito rural.

A banca se queixa das amarras, mas fato é que não perdeu com elas até agora: a remuneração da dívida pública compensou a receita não realizada nos empréstimos. Tal quadro mudou. Dívida e inflação já não ameaçam. Esse é o ajuste a fazer, função do BC e do Tesouro.

Como dobrar a banca A concorrência entre os bancos dispensa decreto e constrangimento dos dirigentes do BB e da CEF. Se for tirado o recurso de a banca estacionar seus dinheiros no overnight, com garantia de recompra pelo BC, o dinheiro fluirá. De média de R$ 50 bilhões/dia no pré-crise, o overnight saltou para quase R$ 200 bilhões em fevereiro, indicando o rumo dos depósitos compulsórios liberados pelo BC para aliviar a falta do crédito. Fazer o quê? Primeiro, condicionar o compulsório liberado à sua aplicação em até 30 dias, mais teto para o spread, como já faz o BNDES nos repasses à banca. Segundo, eliminar a carta de recompra. Nada disso é do agrado da banca.