Título: Brasília, sitiada pelo narcotráfico e a violência
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 30/09/2007, O País, p. 13

Entorno da cidade tem explosão do consumo de drogas como cocaína, LSD e crack e aumento de crimes.

BRASÍLIA. Os mais sombrios prognósticos sobre o narcotráfico e a violência no entorno de Brasília estão se cumprindo menos de cinco décadas depois da criação da capital federal. Estudos do Ministério Público e da Polícia Civil mostram a capital como uma cidade sitiada pelo crescimento vertiginoso de crimes violentos - como o recente ataque ao repórter Amaury Ribeiro Júnior -, alimentado pela explosão no consumo de drogas como a cocaína, a merla (subproduto da cocaína), ecstasy, LSD e até do crack, droga mais devastadora disponível no mercado nacional.

- O crime organizado chegou a Brasília. Não temos a menor dúvida disso - reconhece o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM).

O aumento no consumo de drogas e da violência no cinturão urbano de Brasília, até recentemente considerada uma ilha de conforto e segurança, aparece, cada vez com mais força, nas estatísticas da criminalidade. O último mapa da violência divulgado pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) põe o Distrito Federal em 5º lugar no ranking das unidades da Federação com o maior número de assassinatos.

Com uma taxa de 36,5 homicídios por cada grupo de 100 mil habitantes, o Distrito Federal só perde em número de mortes violentas para Pernambuco (50,7), Espírito Santo (49,4), Rio de Janeiro (49,2) e Rondônia (38). O levantamento da OEI, baseado em dados de 2004, foram reforçados pelo mais recente mapa da violência produzido pelo Ministério da Justiça. O mapa do governo federal aponta seis das 19 cidades do entorno de Brasília entre os centros urbanos mais violentos do país. Nesse faroeste caboclo figuram Luziânia, Águas Lindas, Recanto das Emas, Planaltina, Santa Maria e Valparaíso.

- Infelizmente, estamos caminhando para níveis de violência do Rio de Janeiro e São Paulo. As autoridades têm que tomar providências com urgência - alerta a promotora Maria Fernandes, da Promotoria de Justiça de Entorpecentes.

Os números mais recentes são ainda mais alarmantes. Segundo a Polícia Civil do DF, cidades do entorno como Formosa e Luziânia têm taxas de homicídio de 93,1% e 90,2%, respectivamente. Para se ter uma idéia, segundo o último ranking das capitais brasileiras, Recife, a mais violenta, tem índice de 67,4%.

O recrudescimento da guerra diária coincide com o crescente consumo da merla, um subproduto da cocaína típica da periferia de Brasília altamente lesivo, e de drogas sintéticas, como o ecstasy e o LSD.

Crack chegou há três meses

Pesquisa da promotora do Distrito Federal Maria Fernandes, uma das mais experientes no combate ao narcotráfico local, mostra a chegada com força do crack há pouco mais de três meses nas áreas de maior movimentação no Plano Piloto. Segundo a promotora, são cada vez mais freqüentes as apreensões da droga, que chegam a atingir 600 pedras de crack.

- O crack está chegando de forma devastadora entre jovens dos setores comerciais Norte, Sul e rodoviária (entrada da Esplanada dos Ministérios) - afirma Maria Fernandes.

Pelo seu poder de destruição, o crack é visto com restrições até pelos próprios traficantes. Não faz muito tempo, o tráfico em Brasília se resumia ao comércio no varejo de maconha e cocaína, em geral limitado às festas de classe média. Mas, nos últimos anos, o quadro mudou. O narcotráfico tomou dimensão de empreendimento comercial, fixou territórios e ampliou a oferta e a diversidade de drogas.

No mês passado, a polícia apreendeu, de uma vez só, 9.340 mil comprimidos e selos de LSD, a segunda maior apreensão da droga no país. A quadrilha era chefiada por um grupo de rapazes de classe média, quatro deles moradores do Lago Norte, bairro com renda per capita entre as mais altas do Brasil. Mês passado, a polícia prendeu 15 integrantes de uma organização que estava movimentando cerca de US$60 mil por semana com a venda de cocaína e merla.

- Dá para perceber o poderio do tráfico a partir dos bens e do volume de drogas, cada vez maiores, que são apreendidos - afirma o delegado Adval de Matos, da 15ª DP, na Ceilândia, mais populosa cidade-satélite.

Expansão urbana desordenada

Especialistas são unânimes em associar o narcotráfico e a violência à expansão urbana desordenada e ao clima de permissividade que se instalou na cidade, a partir da distribuição de lotes na gestão de Joaquim Roriz, quatro vezes governador do Distrito Federal. Segundo o professor de Finanças da Universidade de Brasília, Roberto Piciteli, a população do entorno cresce em média 3% ao ano, mais que o dobro da média nacional (1,5% ao ano). A explosão demográfica produz uma cidade de médio porte (de aproximadamente 40 mil habitantes) em volta da capital a cada ano.

- Não tem política pública capaz de planejar e oferecer infra-estrutura para tanta gente. Sem emprego, sem escola, sem ocupação, essas pessoas ficam à mercê da criminalidade - diz o economista.