Título: Um país perdido a caminho da Constituinte
Autor: Valente, Leonardo
Fonte: O Globo, 30/09/2007, O Mundo, p. 45

Em meio a fogo cruzado entre oposição e partidários do governo, eleitores do Equador se queixam de propostas vagas.

QUITO. Os equatorianos elegem hoje o seleto grupo de 130 parlamentares constituintes que terão a tarefa de elaborar a 20ª Constituição de um dos menores e mais instáveis países da América do Sul, mas com importância estratégica por causa do petróleo e que ganha cada vez mais as atenções internacionais devido à aproximação com o governo do presidente venezuelano, Hugo Chávez. Apesar de habituados a novas Cartas Magnas - uma a cada nove anos em média - governo, oposição e população parecem perdidos quanto aos rumos que o novo texto deve indicar ao país.

Bloqueio de projetos do governo como plataforma

Para os opositores do presidente Rafael Correa, vale quase tudo para conseguir o maior número de vagas possível na Assembléia - oferta de empregos, ingressos para parques de diversão e promessas de que a nova Constituição vai baixar o preço dos alimentos. Projetos para reformas importantes, no entanto, não parecem ter importância na agenda.

- O preço da cebola subiu 24% em um ano, o da couve-flor 54%. E a culpa é deste governo. Se eleito para a Constituinte, vou estabelecer regras para baixar o preço dos alimentos - disse Álvaro Noboa, ex-candidato à Presidência e principal candidato do Partido Renovador Institucional Ação Nacional (Prian), com grandes chances de se eleger, segundo analistas.

Outros oposicionistas preferem ter como plataforma não seus próprios projetos, mas o bloqueio de todas as iniciativas do governo na Assembléia.

- Quero ser eleita para acabar com a prepotência e o autoritarismo de Correa e lutar pela liberdade. Vou tentar bloquear qualquer projeto proposto pelo governo - disse Anabella Azín, também do Prian.

Já a Aliança País (governista), favorita nas pesquisas, apresentou propostas para reformas, muitas, no entanto, vagas como os conceitos de socialismo do século XXI, a exemplo da Venezuela, e de economia humana, sem dar detalhes do que significam. Enquanto Correa prega que pretende refundar a República, seu principal candidato à Assembléia, Alberto Acosta, diz exatamente o contrário:

- Não vamos refundar o país. Não podemos e nem vamos esquecer nosso passado.

Ao ser indagado sobre a contradição que esse pensamento tem com o que diz o presidente, Acosta responde:

- Não somos porta-vozes de Correa. Temos pontos convergentes e também divergências.

Governistas também não sabem explicar o que farão caso não consigam maioria e precisem enfrentar uma oposição interessada no bloqueio da Carta e nem há consenso se, nesse caso, deve-se ou não apoiar a renúncia do presidente.

- Os governistas falam de maior participação do Estado na economia, mas não sabemos exatamente o que isso significa - disse o presidente do Comitê Empresarial, Patricio Donoso.

As poucas propostas mais claras, no entanto, estão assustando empresários e investidores estrangeiros. Uma é a revisão dos contratos de exploração de petróleo. Uma das afetadas pode ser a Petrobras, que já investiu desde 1996 cerca de US$400 milhões. Na contramão do que agora prega, Correa declarou no início do governo que gostaria de ver a Petrobras ampliando seus negócios no país.

Presentes e favores em troca de voto

Tendo que escolher entre mais de três mil candidatos, parte da população, especialmente a mais pobre, se vê mal informada e tentada a priorizar presentes e favores oferecidos.

- Nenhuma Constituição mudou a situação dos mais pobres e essa não vai ser diferente. Por isso, vou votar em quem me prometeu um emprego - disse o ambulante Roberto Sanz.

Já o publicitário Juan Mendes pretende escolher os candidatos com as melhores propostas, mas diz que a falta de informação é grande:

- Estamos vivendo um momento de profundas mudanças. O problema é que essas mudanças não estão claras, nem mesmo para muitos politicos.