Título: Riqueza intocável
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 01/10/2007, Economia, p. 21

De olho no aumento da demanda por urânio no mundo, mineradoras brasileiras querem fim do monopólio.

Há no mundo um mercado potencial de US$12 bilhões por ano ávido por fornecedores, mas o Brasil está impedido de disputá-lo. Trata-se da compra e venda de urânio, do qual o país detém a sexta maior reserva conhecida do planeta. Nos últimos anos, a demanda internacional cresceu a tal ponto que calcula-se que haja um déficit de cerca de 60 mil toneladas para atender aos interessados, que buscam fontes de energia limpa. Atentas à possibilidade de gordos lucros, as mineradoras brasileiras querem uma fatia desse bolo, mas esbarram em um impedimento legal. A razão é o monopólio estatal, definido pela Constituição, sobre prospecção, exploração, comercialização e enriquecimento do urânio.

Nos últimos meses, o setor começou a se movimentar para conseguir flexibilizar esse monopólio e pressionar o governo a permitir que as empresas possam pesquisar e minerar o urânio em território brasileiro. O apetite das mineradoras cresce na mesma proporção dos preços internacionais. A cotação do produto passou de US$12 em 2004 a libra-peso (equivalente a 450 gramas) para U$90 em setembro. Em junho, a cotação chegou a US$135 - um salto de 1.000%. Nos próximos anos, os preços continuarão elevados, segundo analistas do setor. Afinal, o Conselho Mundial de Energia previu a duplicação da geração nuclear no mundo entre 2020 e 2050.

Vale vai investir na Austrália

Não à toa, a Vale do Rio Doce já manifestou publicamente interesse em minerar no Brasil. Já que não consegue a autorização -- que dependerá de uma emenda constitucional - vai investir R$6,5 milhões para explorar urânio na Austrália. Recentemente, o empresário Eike Batista, dono da holding EBX, também disse que tem interesse de investir na exploração de urânio no país, caso haja mudança na legislação brasileira.

Na semana passada, o assunto foi um dos temas do 12º Congresso Brasileiro de Mineração, promovido pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Hoje, o mercado mundial de urânio será tema de discussão no International Nuclear Atlantic Conference (Inac), que ocorre em Santos. De acordo com Paulo Camillo Penna, presidente do Ibram, apenas 30% do território brasileiro foram pesquisados. Se mais sondagens forem feitas, o potencial brasileiro dobraria e as reservas nacionais poderiam ultrapassar as 600 mil toneladas, colocando o país em terceiro lugar no planeta.

- Temos um excedente brutal de urânio intocado. O país tem um potencial muito grande para exploração, que pode atrair investimentos e financiar o programa nuclear brasileiro - argumenta Camillo Penna.

Fonte de energia limpa, a alternativa não polui o ar (como as térmicas), ou inunda grandes faixas de terra (como as hidrelétricas). Um quilo de urânio equivale a 10 toneladas de petróleo e a 20 toneladas de carvão. Dados do Ibram apontam que existem 30 reatores nucleares sendo construídos, outros 74 planejados e mais 162 propostos. O número de reatores em operação chega a 437 em todo mundo, que respondem por 18% da energia elétrica global. Na França, por exemplo, 78% da energia consumida são gerados por esta fonte.

Os preços dispararam a partir de 2003, quando começaram a escassear os estoques militares americanos e russos que alimentavam a demanda internacional desde o fim da Guerra Fria. Nesse cenário, as empresas brasileiras não vêem sentido na manutenção de uma política instituída durante o período da corrida nuclear.

- É um monopólio caduco e prejudicial. Quando o Muro de Berlim caiu, em 1989, acabou a necessidade de os países acumularem grandes reservas de urânio - diz Luciano Borges, ex-secretário de Minas e Metalurgia do Ministério de Minas e Energia.

Em junho, o Ibram entregou um documento ao presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, pedindo que a questão seja analisada. Na semana passada, no Congresso do Ibram, Chinaglia avisou que o tema será aprofundado pela Comissão de Minas e Energia. Já no governo, a flexibilização do monopólio é discutida discretamente e tratada como tabu, principalmente diante da resistência dos militares em tocar no tema.

A flexibilização pleiteada pelas empresas limita-se a pesquisa, mineração e comercialização do minério bruto. O enriquecimento do minério, fase mais sensível e motivo de preocupação internacional, continuaria sob controle governamental. De acordo com Roberto Esteves, ex-presidente da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), atualmente achar urânio é uma dor de cabeça e, por isso, desde 1982 não se descobre uma grande jazida no país:

- Se encontrar o minério, é preciso notificar o governo e nem se é indenizado. Muitas vezes, o minerador joga terra em cima, mas em outras, o urânio vem associado a outros minérios, como o ouro e o nióbio, e acaba se tornando um rejeito, que poderia render à empresa uma boa receita - disse.