Título: Inquérito detalha esquema
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 28/03/2009, Política, p. 2

Conversas interceptadas levam Polícia Federal a apontar indícios de crimes eleitorais que teriam sido cometidos por diretores da Camargo Corrêa

Alberto Iegas, delegado da PF responsável pela Operação Castelo de Areia: ligações comprometedoras São Paulo ¿ O inquérito da Polícia Federal detalha o esquema de doações de campanha montado dentro da empreiteira Camargo Corrêa, apontando indícios de ¿crime eleitoral¿. Escutas telefônicas revelam planos para envio de dinheiro em espécie. Em alguns casos, os diretores da empresa deixam claro que a contribuição é ¿por fora¿. A PF vai informar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o conteúdo das escutas, para confrontar as doações mencionadas nos áudios com aquelas efetivamente registradas. O tema financiamento de campanhas políticas veio à tona nas escutas telefônicas no período das eleições municipais do ano passado. A Polícia Federal aponta que os diretores da Camargo Corrêa não falam especificamente de um ou outro partido, mas de vários deles, não havendo assim um favorecimento dirigido. A PF acessou os dados do TSE e verificou diversas doações legais feitas pela empreiteira.

Mas a conclusão do inquérito ressalta: ¿Por outro lado, apesar da aparente licitude das doações, algumas ligações telefônicas levam a crer que haja também um esquema fraudulento de doações¿. Os investigadores citam duas gravações que fazem ¿menção expressa a doações não contabilizadas, o que poderia levar à conclusão de ocorrência de crime eleitoral¿. O inquérito da Polícia Federal foi presidido pelo delegado regional de São Paulo José Alberto Iegas.

Numa das gravações, em 23 de setembro, o diretor da Camargo Corrêa Pietro Bianchi comenta com um interlocutor de nome Marcelo sobre coisas que teriam que realizar. Pietro pergunta se é campanha política. Marcelo responde que sim, e o diretor pergunta se é ¿por dentro¿. Marcelo responde que não. A PF concluiu que, ¿entre essas doações para campanhas de políticos, fica claro que a empresa Camargo Correa faz doações a partidos políticos e a políticos de forma irregular, incidindo em crime¿.

Em outra conversa, quem fala é o diretor Fernando Gomes. Ele diz a Pietro que o diretor Dárcio Brunato tem um pendrive ¿ arquivo de dados digitais portátil ¿ com todas as contribuições eleitorais. Pietro acrescenta que tem uma pasta com todas as contribuições, ¿inclusive a oficial¿. ¿E lá tem todos os caras que foram pagos¿, informa. Com base nessas informações, o Ministério Público Federal solicitou à Justiça Federal a realização de busca e apreensão dos escritórios e nas residências dos diretores da Camargo Corrêa.

Em outra conversa, em 2 de outubro, Fernando muda o discurso, ao falar de doações de campanha: ¿Tem mais um pedido de 100 mil. Parece que o João já falou consigo do Mendonça Filho, lá de Recife. E tem um valor do PMDB do Pará de 300 mil que já tava aprovado por vocês por fora, hein? Então, a gente só vai fazer por dentro agora, sabe! (...) Tudo, tudo, com recibo, bonitinho¿. Mendonça Filho divulgou nota afirmando que recebeu doações legais da Camargo Correa no valor de R$ 300 mil. Segundo conclusão do inquérito, Pietro seria um dos articuladores ¿dessas remessas de valores de forma ilícita para financiamentos de campanhas políticas¿.

Indiciamentos A Polícia Federal indiciou ontem o diretor de Licitações da Camargo Corrêa, engenheiro Raggi Badra Neto. Ele é apontado pela PF como um dos integrantes de suposta organização para superfaturamento de obras, licitações fraudulentas e doações eleitorais ilegais. Foi indiciado pelos crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e câmbio ilegal. A PF também indiciou a secretária Darcy Alvarenga, apontada como conhecedora do esquema montado pela empreiteira para a execução de ilícitos.

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CONVERSA 1 A remessa para o Recife (7 de abril de 2008) Pietro Bianchi e Bruno Ferla (diretor e funcionário da Camargo Corrêa)

Pietro ¿ Aquele valor, pra quando é? Bruno ¿ Era para amanhã. Pietro ¿ Amanhã? Muito difícil, em todo caso, qual o valor? Dois quatro... Bruno ¿ Não, não, dois, dois, cinco. Pietro ¿ É porque não tem mais aqui, né. Então, vou ter que pedir pra o cara trazer. Bruno ¿ E não, e em Recife, tá? Pietro ¿ Ah, pra entregar lá? Bruno ¿ É. Pietro ¿ Eu tenho condições de mandar entregar. Ou precisa ser um pessoal nosso? Bruno ¿ Não, não, é suficiente mandar entregar. Pietro ¿ Então, vê com ele onde entrega... em Recife, mas se alguma conta... Bruno ¿ Não, não teria que ser em... Pietro ¿ Em espécie? Bruno ¿ É. Pietro ¿ Ah, ele não entrega, não. Só Rio e São Paulo que entrega em espécie. Bruno ¿ P..., como que a gente vai fazer em Recife? Pietro ¿ Aí precisaria ver alguém para levar. É meio alto pra levar. (...) Também pra levar é meio arriscado. Vamos analisar mais tarde.

CONVERSA 2 A remessa para Curitiba (26 de maio de 2008) Pietro Biachi e Fernando Gomes (diretores da Camargo Corrêa)

Pietro ¿ Bom, eu tô fazendo, então, aquele quatro, nove, dois, zero, zero, um, tá? Fernando ¿ Esse eu preciso fazer, né? (...) Não pode ser quarta-feira? Pietro ¿ (...) É, então, vamos fazer essa. Agora a outra, aquela pesada que tem de Curitiba. Quem é que vai fazer, nós? Fernando ¿ Pickel. Pietro ¿ Hein? Pickel, né? Então, vou chamar o Pickel, não é isso? Fernando ¿ Isso.