Título: Reforma após vitória no Equador
Autor: Valente, Leonardo
Fonte: O Globo, 02/10/2007, O Mundo, p. 28

Com maioria na Constituinte, Correa confirma dissolução do Congresso e eleição antecipada.

Visivelmente satisfeito com a vitória esmagadora nas eleições de domingo que lhe garantiram maioria absoluta na Assembléia Constituinte (pode levar até 80 das 130 cadeiras, segundo algumas projeções), o presidente do Equador, Rafael Correa, anunciou ontem reformas importantes que devem alterar os rumos do país e que lembram mudanças já implementadas pelos governos da Bolívia e da Venezuela. Defendeu antecipação das eleições presidenciais para o ano que vem, confirmou que o Congresso será dissolvido, disse que a nova Carta deve ter mecanismos de regulação dos meios de comunicação, que o Estado terá um papel maior na economia e que os contratos com as empresas estrangeiras exploradoras de petróleo serão revistos.

Apesar da semelhança de suas propostas com as do presidente venezuelano, Hugo Chávez, Correa fez questão de afirmar que a nova Constituição do Equador será bem diferente de todas as demais.

- Não conheço a Constituição da Venezuela, por isso não posso dizer que vamos usá-la como modelo. Nós seremos o nosso modelo. A América Latina está num momento favorável, e é normal que alguns países passem por processos semelhantes. Mas o Equador tem suas especificidades - disse o presidente ao GLOBO.

Quanto à dissolução do Congresso, Correa afirmou que será uma medida necessária para que dois poderes legislativos não concorram entre si, emperrando o processo político. Segundo ele, não ter dissolvido o Parlamento foi uma das falhas cometidas pelo presidente da Bolívia, Evo Morales.

- Meu amigo Morales cometeu esse erro e agora enfrenta problemas. Morales confundiu diálogo com concessões. Aprendemos com isso e temos consciência de que o Congresso precisa ser dissolvido para que a Assembléia exerça suas funções - afirmou o presidente.

Em relação às empresas estrangeiras de petróleo, entre elas a Petrobras, Correa afirmou que não vai abrir mão da revisão dos contratos:

- Nossa atual Constituição já estabelece que o petróleo e outros recursos naturais são de propriedade do Estado. A maior parte desses contratos foi feita com o barril do petróleo custando US$16 e hoje está a US$80. Não poderemos permitir que as empresas lucrem absurdamente e gerem empregos no exterior a nossas custas. Isso seria a antítese do desenvolvimento.

Em sua entrevista a jornalistas estrangeiros, o presidente discorreu sobre outros temas:

DIÁLOGO COM A OPOSIÇÃO: Não vou conversar com gente corrupta como o Alvaro Noboa (ex-candidato à Presidência e provável constituinte eleito pelo Prian). Só converso com pessoas que queiram o progresso do país. Aqueles que defendem interesses próprios e de setores econômicos não me interessam.

MEIOS DE COMUNICAÇÃO: Sou a favor da liberdade de imprensa. Mas liberdade sem responsabilidade é libertinagem. Por isso, sou a favor de mecanismos de regulação dos meios de comunicação para evitar abusos. Sou a favor da imprensa pública, que muitos países adotam. Apesar de manter a imprensa privada, acredito que a função social da comunicação é incompatível com empresas privadas. Não admitirei, por exemplo, que os banqueiros continuem sendo detentores de veículos de informação.

ESTADO NA ECONOMIA: O neoliberalismo destruiu a máquina do governo. Precisamos recuperá-la e dar um papel maior ao Estado na economia. O socialismo que propomos, no entanto, não é o socialismo clássico, não acredito nesses modelos. Não somos fundamentalistas, mas também não vamos mais tolerar a estrutura neoliberal. Também precisamos de uma reforma tributária e de um pacote emergencial de leis.

DOLARIZAÇÃO: Precisamos de uma saída provisória para essa medida trágica que foi a dolarização do país. Mas, a longo prazo, pretendo defender a criação de uma moeda para a América do Sul. Creio que as moedas dos pequenos países do continente não têm como sobreviver neste século diante da globalização. Por isso, precisamos criar uma moeda comum e fazer uma integração completa.

ELEIÇÕES ANTECIPADAS: Com a nova Constituição teremos um novo sistema de representação. Por isso, acredito que devem ser antecipadas as eleições para presidente, governadores e prefeitos logo após o referendo de aprovação da Constituição.

ABORTO: Tenho princípios e formação cristã e jamais permitirei que o aborto seja aprovado na Constituição. Se minha bancada quiser o aborto, vou para a rua fazer campanha para que a população rejeite a idéia em referendo.

CASAMENTO GAY: Para mim, o homem deve se juntar a uma mulher. Mas não serei contra a proposta de união civil estável, desde que não seja chamada de casamento.

SUA POPULARIDADE: Reconheço que sou um líder. Mas ser líder não é uma coisa ruim. Só é ruim quando o líder não luta pelos interesses do povo.