Título: Até sobre STF, Planalto usa CPMF
Autor: Brígido, Carolina e Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 04/10/2007, O País, p. 3

Governo teme perder aliados com julgamento do Supremo, que decidirá sobre fidelidade.

BRASÍLIA.A expectativa dos partidos de ver resolvida ontem a polêmica sobre a infidelidade partidária foi frustrada. Após cinco horas de sessão, o Supremo Tribunal Federal (STF) interrompeu o julgamento que decidiria se o mandato é do partido ou do parlamentar. Mas o início do julgamento, que será retomado hoje, causou apreensão não apenas no Congresso, mas também no governo, principal beneficiário do troca-troca partidário que aumentou a base aliada na Câmara em pelo menos 24 deputados até agora. O receio do Planalto é de que uma eventual decisão do Supremo favorável aos partidos de oposição prejudique, inclusive, a aprovação da CPMF no Congresso.

Com a sessão do STF aberta, o ministro de Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, manifestou, no Planalto, a preocupação do governo. Embora pregue obediência à decisão do STF, ele não quer ouvir falar na punição de quem trocou de partido:

- Pelo amor de Deus, nem cogita essa hipótese.

Diante dos alertas de que uma decisão do STF que resulte na perda de mandato vai desestabilizar a base governista, o ministro disse:

- Qualquer coisa que balance a normalidade dificulta a CPMF. Nenhum governo, nem o nosso, teria a mínima condição de ver esse dinheiro desaparecer no ano que vem como um golpe de sorte ou de azar.

No STF, as primeiras três horas do julgamento foram reservadas para advogados dos dois lados. Em seguida, os ministros ocuparam-se com o debate de questões técnicas por outras duas horas, sem abordar o tema principal. Às 19h30m, adiaram o julgamento do mérito para hoje à tarde.

A expectativa do governo é que a decisão do STF não seja retroativa. O argumento é que não estava explícito na eleição a quem pertence o mandato. Para Mares Guia, uma decisão contrária aos parlamentares poderá significar uma agressão ao direito adquirido e provocará uma "chuva de demandas" na própria Justiça:

- O mandato conquistado na urna, numa circunstância, não pode ser perdido, numa outra circunstância, que não estava explicitada. O STF tem visão da situação política e sabe o que representa essa demanda.

O Ministério Público e deputados que têm os mandatos ameaçados alegaram motivos técnicos para pedir o arquivamento das ações antes mesmo de serem julgadas. Por isso, levantaram uma série de questões preliminares. A mais discutida foi a que alegava que o mandado de segurança não seria a via mais adequada para debater o assunto, porque não garante ao parlamentar o amplo direito de defesa. O ministro Eros Grau foi o único a concordar com a tese. Os outros ministros argumentaram que essa questão já seria o mérito do julgamento, e não deveria ser debatida antes dele.

Marco Aurélio foi o único a entrar no mérito ontem

O único ministro que abordou o tema principal foi Marco Aurélio Mello, confirmando a tendência de atender ao apelo dos partidos de oposição. O STF decidirá a quem pertence o mandato de 23 deputados que deixaram o DEM, o PPS e o PSDB. A posição do tribunal deverá nortear a decisão de outras ações que sejam propostas no futuro. No total, 46 deputados trocaram de partido desde a eleição.

- Será que o abandono da legenda, que se mostrou indispensável à eleição, está previsto como a não levar à perda do mandato? - questionou Marco Aurélio.

O presidente do PPS, Roberto Freire, fez a sustentação oral pelo partido, que perdeu nove deputados para a base governista. Para ele, se os votos são do partido, o mandato também é.

Outros advogados falaram em nome dos deputados que estão com o mandato em jogo, argumentando que a Constituição não lista como motivo para a perda de mandato a mudança de partido. O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, reiterou sua posição neste sentido. E defendeu uma reforma política.