Título: STF decide pela fidelidade
Autor: Brígido, Carolina e Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 05/10/2007, O País, p. 3

REFORMA POLÍTICA

Em votação histórica, Supremo determina, por 8 a 3, que mandato é do partido e não do eleito.

Amaioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) - oito dos 11 - decidiu ontem, num julgamento histórico que se estendeu por mais de oito horas, que os mandatos eletivos pertencem aos partidos políticos e não aos parlamentares eleitos. Também a maioria - seis dos 11 - decidiu que os parlamentares que trocaram de partido após 27 de março deste ano poderão perder seus mandatos em novas ações que venham a ser ajuizadas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelas legendas prejudicadas. Naquela data, o TSE declarou que os mandatos pertencem aos partidos.

A presidente da Corte, Ellen Gracie, que não precisaria votar, seguiu o voto do primeiro relator, Celso de Mello: o mandato é do partido, mas a punição só atinge quem trocou de legenda após a decisão do TSE.

O julgamento vai inibir futuramente a infidelidade partidária, que, só este ano, permitiu que 45 deputados eleitos em outubro passado trocassem de partido. Os 30 que trocaram de partido antes da decisão do TSE não serão punidos. A punição vale para os 15 deputados que migraram para outras legendas após março deste ano.

Ao final do julgamento, o Supremo informou que o único caso em que a nova regra se aplica de imediato é o da deputada Jusmari Oliveira (BA), que trocou o DEM pelo PR no dia 29 de março. Ela não perderá o mandado automaticamente, mas seu caso já deverá ser encaminhado ao TSE, porque era a única que constava do mandado de segurança do DEM e que trocou de partido após 27 de março. Para requerer a vacância dos mandatos dos outros 14, novas ações terão de ser ajuizadas no TSE.

Apenas três ministros votaram pela tese de que os mandatos pertencem aos parlamentares eleitos. Foram analisadas três ações em que o DEM, o PSDB e o PPS pediam de volta 23 mandatos perdidos para partidos da base do governo.

Os relatores dos mandados de segurança no Supremo ficaram divididos. Enquanto os ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia defenderam que os mandatos pertencem aos partidos desde que o TSE baixou uma resolução sobre o tema, o ministro Eros Grau teve o entendimento de que os mandatos são dos políticos.

Vereadores também serão atingidos

Os votos dos relatores Celso de Mello e Cármen Lúcia foram acompanhados pelos ministros Carlos Alberto Direito, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Ellen Gracie. Já o entendimento de Eros Grau foi seguido por Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa.

O ministro Ayres Britto foi mais radical e defendeu a perda imediata do mandato de quem mudou de partido, sem usar a data da decisão do TSE como referência.

A decisão do STF também atinge outros mandatos, como os deputado estadual e vereador, e deve inibir o troca-troca. O prazo para filiação e mudança de legenda termina hoje para quem pretende disputar as eleições municipais no ano que vem.

Os ministros debateram a possibilidade de o partido de origem entrar com um pedido de abertura de investigação no TSE para comprovar o ato de infidelidade, com direito a ampla defesa à legenda e ao parlamentar. Ao fim da investigação na Justiça Eleitoral, o tribunal decidirá se o mandato fica com a legenda ou com o deputado. Três ministros do STF concordaram que, confirmada essa decisão de ir ao TSE, há dois casos em que a troca de partido é justificável: quando a legenda muda radicalmente sua orientação política ou quando for comprovado que ela perseguiu o parlamentar. Nenhum ministro propôs prazo para o TSE concluir a apuração.

O voto que conduziu o julgamento foi dado pelo ministro Celso de Mello, relator da ação proposta pelo PSDB. Durante duas horas, Mello criticou duramente o troca-troca. Ao fim, disse que sua tese não caberia para casos anteriores à decisão do TSE. Isso porque há jurisprudência no STF que protege o direito dos parlamentares de exercer o mandato, independentemente de permanecer na legenda na qual foi eleito. Esse entendimento foi firmado pela Corte em 1989. A decisão de ontem mudou a orientação do tribunal.

Celso de Mello defendeu que a Constituição privilegia os partidos políticos quando estabelece a eleição proporcional para a Câmara. Nesse sistema, os votos pertencem aos partidos, e não aos parlamentares. Por isso, os mandatos também seriam de direito das legendas.

O ministro Celso de Mello ainda afirmou que o troca-troca modifica o resultado das eleições e costuma privilegiar os partidos ligados ao governo. Concordaram com ele Cármen Lúcia, Direito e Ayres Britto.

- A mudança imotivada de partido configura ato abusivo, que não coaduna com a ordem democrática. As trocas prejudicam a representatividade dos partidos, desrespeita o voto do povo e lesa o modelo de representação proporcional. O Parlamento é composto menos por políticos que por partidos - disse Celso de Mello.

- O desligamento do eleito do partido não é ilícito. O que não é possível, nem lícito, nem cabível juridicamente é que, ao se desligar do partido, carregue consigo o mandato, como se fosse dele - reiterou Cármen Lúcia, relatora da ação do DEM.