Título: Supremo determina o ritmo do Congresso
Autor: Gois, Chico de e Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 07/10/2007, O País, p. 12

REFORMA POLÍTICA: "O Judiciário tenta corrigir o que temos feito de errado. Essa é a realidade", diz líder do PP.

Tribunal é cada vez mais requisitado a decidir ou interpretar atos ou lacunas deixados pelo Parlamento.

BRASÍLIA. A sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) da noite da última quinta-feira, quando decidiu que o mandato pertence aos partidos, e não aos eleitos, foi classificada de histórica pelos parlamentares. Afinal, coube ao guardião maior da Constituição Federal interpretar e decidir sobre mais um ponto da prometida, e sempre adiada, reforma política, que há anos está em discussão no Congresso. Há mais tempo, desde o advento da medida provisória, no governo Sarney, o Executivo também legisla mais do que o Legislativo. Mas o Judiciário, mais do que decidir sobre questões constitucionais, tem, nos últimos tempos, determinado até o ritmo do Congresso, o direito das minorias, e o rito de procedimentos legislativos internos.

Cada vez mais o STF é provocado por pessoas e instituições, incluindo os próprios políticos, que não aceitam decisões tomadas pela maioria do Congresso. É cada vez mais comum políticos recorrerem ao Supremo para que decida disputas que deveriam ser elucidadas pelos regimentos internos da Câmara ou do Senado.

Deputados admitem os erros do Poder Legislativo

Para os próprios deputados, isso acontece porque o Congresso não tem feito o que lhe é de direito e dever: legislar. Ou, quando o faz, deixa tantas brechas e lacunas que é necessário que o Supremo esclareça o que os parlamentares quiseram dizer - ou não quiseram.

O STF já mandou instalar no Congresso, a contragosto da maioria governamental, as CPIs dos Bingos e a do Apagão Aéreo, além de decidir questões rotineiras da instituição: por exemplo, que deputados tinham direito de participar da sessão secreta de julgamento do mandato do senador Renan Calheiros (PMDB-AL); ou negar um pedido para que fosse secreto o voto dos integrantes do Conselho de Ética do Senado, também no processo contra Renan.

Em outras ocasiões, pôs fim à cláusula de barreira (desempenho mínimo nas eleições para ter completo funcionamento no Congresso), contrariando os grandes partidos; e procurou dar coerência às eleições nacional e estaduais, impondo a verticalização - regra pela qual as coligações partidárias feitas nos estados deveriam seguir a aliança feita no plano nacional.

Todos esses assuntos não precisariam ter entupido a pauta do STF se os próprios parlamentares tivessem chegado a um acordo e procurassem fazer leis que não afrontassem a Constituição. O líder do PP, Mário Negromonte (BA), é claro:

- Isso está ocorrendo porque o poder Legislativo está falhando. O Judiciário está tentando corrigir o que temos feito de errado. Essa é a realidade - afirma, acrescentando que, no caso da fidelidade partidária, os próprios partidos já deveriam ter definido a questão.

Antonio Carlos Pannunzio, líder do PSDB na Câmara, concorda com o colega:

- Toda vez que se constata que as leis não estão correspondendo às necessidades, se o Legislativo não providencia a adequação, o Judiciário é obrigado a fazê-lo. A culpa é nossa - admite o tucano. - Por que decisões importantes não são tomadas no Legislativo? Porque se apequenou e ficou restrito à pauta do Executivo.

Para Rodrigo Maia, presidente do DEM, o Legislativo poderia já ter votado a reforma política e definido questões importantes, como a fidelidade partidária. Mas, ao não fazê-lo, os prejudicados acabam recorrendo ao Judiciário.

O ministro Carlos Ayres Britto, um dos 11 do STF, considera que a recente inclinação da Corte para resolver conflitos políticos não significa que o Judiciário esteja interferindo no Legislativo. Ele acredita que o tribunal apenas cumpre sua missão de interpretar a Constituição:

- O STF está contribuindo para qualificar a nossa vida política. É preciso aprimorar o modo de conceber e fazer política no país. O Supremo tem decidido interpretar não só as regras, mas os princípios jurídicos. Essa postura tem sido interpretada como usurpação das competências legislativas, mas não é. O STF tem ocupado sua função de guardião da Constituição. Estamos projetando um novo olhar sobre os princípios jurídicos.