Título: Parlamentares agora 'pegam carona' nas MPs
Autor: Lima, Maria e Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 07/10/2007, O País, p. 13

Deputados e senadores incluem propostas nas medidas do governo para tentar legislar no Congresso.

BRASÍLIA. Deputados e senadores estão aprendendo a pegar carona nos textos das medidas provisórias enviadas pelo governo na tentativa de aprovar suas propostas no Congresso. Criadas na Constituinte de 1988 para facilitar aos presidentes a adoção de medidas de urgência e relevância, as MPs quase nunca atendem a esses requisitos e passaram a entulhar a pauta do Legislativo. Cansados de combater o excesso, os parlamentares estão se rendendo e legislando também via MPs.

Nos últimos anos, os plenários da Câmara e do Senado têm se dedicado majoritariamente a apreciar as MPs, que têm prazo constitucional para serem aprovadas, de um jeito ou de outro. Às vezes, sem mesmo passar pelo crivo das comissões especiais, são aprovadas na frente de qualquer outra proposição.

De janeiro pra cá, a Câmara aprovou 127 proposições. Destas, só oito eram de autoria de parlamentares. Das 127 matérias aprovadas, foram 60 MPs e outros projetos de iniciativa do Executivo; 45 acordos e tratados internacionais; três projetos de resolução da Mesa da Câmara; 8 do Senado e dois projetos de lei propostos por CPIs. Com esse cenário, os deputados, inclusive de oposição, usam a brecha para tentar aprovar algumas de suas idéias. Os parlamentares chamam no Congresso essas inclusões de "jabuti", o que transforma o texto final das MPs em verdadeiros frankensteins.

"Os papéis estão todos trocados", diz o líder do PP

Recentemente, o PSDB conseguiu aprovar na MP 378, que tratava de dívidas de estados e municípios, velha reivindicação dos governadores dos partidos e que não era atendida pelo governo federal: um dispositivo sobre os recursos do Fundeb que, na prática, diminuiria o montante que paga mensalmente de suas dívidas com a União. Aprovado já perto da meia-noite, o governo tomou um susto e teve que trabalhar firme para derrubar o "jabuti" no Senado.

- Os papéis estão todos trocados. O Judiciário está legislando, o Legislativo está julgando através das CPIs e o Executivo tomando a função dos parlamentares, que não tem como fazer leis - diz o líder do PP, Mário Negromonte (BA).

Na MP 340, que trata da correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, foram incluídas emendas fixando regras sobre o transporte público alternativo. As emendas mudaram detalhes de uma lei de 1974, permitindo que motoristas autônomos de veículos rodoviários urbanos possam ceder seus carros, em regime de colaboração, "no máximo a dois outros profissionais". Assunto que dificilmente mereceria discussão e votação num projeto exclusivo.

No caso da MP 350, que alterou o Programa de Arrendamento Residencial do governo federal, os deputados aprovaram outro assunto completamente diferente: novas regras para os rótulos em embalagens de leite. A idéia, que contou com o apoio de todos, é para incentivar o aleitamento materno, obrigando o uso da mensagem nas embalagens de leite animal.

Outros "jabutis" menores, que não despertaram a atenção, foram incluídos e aprovadas nas medidas provisórias.

- Todos os dias nos deparamos com as coisas mais estranhas nas MPs. Além de desfigurar o objeto da medida, o parlamentar descaracteriza sua função de legislador, legislando por MP sem debate nas comissões temáticas - diz o líder do governo na Câmara, José Múcio (PTB-PE).