Título: Corrupção atravessa estradas
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 08/10/2007, O País, p. 3

Órgão responsável pela manutenção de rodovias, Dnit é campeão de irregularidades no TCU.

Alvo constante de denúncias de superfaturamento, fraudes em licitações e favorecimento de empreiteiras, o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) ostenta, desde o último dia 25, mais um título pouco honroso: o de campeão de irregularidades graves em investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Das 29 obras do pacote cuja paralisação imediata foi recomendada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), 21 pertencem à autarquia, responsável por construir e manter as rodovias federais.

Controlado por políticos do PR (ex-PL), o Dnit mantém vivo o fantasma do extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), que substituiu em 2002 por decisão do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Para o ministro Ubiratan Aguiar, relator das contas do órgão no TCU, a tentativa de soterrar por decreto o longo histórico de escândalos associados à antiga sigla não prosperou.

- O nome mudou, mas as práticas de corrupção e desperdício continuam - sentencia Aguiar, que costuma relatar três pedidos de interrupção cautelar de obras do Dnit por semana.

O diagnóstico é comprovado pelo retrospecto de fiscalizações do tribunal. Desde que foi criado, o Dnit encabeça a lista de irregularidades graves paralisantes em todos os balanços anuais do TCU, que audita obras de diversos órgãos da administração federal.

Tucano recolhe assinaturas para CPI

No relatório de 2007, no qual estão incluídos os investimentos do PAC, a autarquia responde por 38 das 77 obras classificadas com o alerta vermelho. Motivado pela enxurrada de denúncias, o senador Mário Couto (PSDB-PA) pretende apresentar, na semana que vem, um requerimento de abertura de CPI para apurar os contratos do órgão.

- O Dnit sempre foi uma fábrica de dinheiro para políticos aliados do governo. Por isso as estradas federais estão nessa condição - afirma o tucano, que diz já ter reunido 30 assinaturas de colegas, três a mais que o necessário para instaurar a comissão.

Com orçamento de R$9,8 bilhões para este ano, superior ao de vários ministérios, o Dnit é uma das jóias mais cobiçadas da administração federal. Desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, o órgão é controlado pelo PR, que também comanda o Ministério dos Transportes. As indicações da autarquia seguem a regra informal da "porteira fechada", pela qual o partido aliado recebe o sinal verde para ocupar todos os cargos comissionados. Dos sete integrantes da diretoria colegiada, apenas dois são funcionários de carreira do Dnit.

Para o ministro Ubiratan Aguiar, o loteamento político do órgão e a mudança de diretores ao sabor dos ventos políticos atrapalham a investigação de irregularidades na conservação das estradas:

- Ninguém assume a responsabilidade pelos problemas das gestões anteriores. Nos últimos cinco anos, o Dnit recebeu mais de 1.500 recomendações do TCU. A repetição continuada de irregularidades indica ação dolosa, afastando totalmente a presunção de boa-fé.

Pagot assume sob protestos da oposição

Empossado discretamente na quinta-feira, sem a tradicional cerimônia de transmissão do cargo, o novo diretor geral do órgão, Luiz Antonio Pagot, já assumiu o controle do bolo de verbas sob suspeita. Afilhado político do governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PR), ele é acusado de receber R$500 mil do Senado enquanto trabalhava numa empresa do aliado no Amazonas - prática vetada pela lei que regula o serviço público.

Sob tiroteio intenso da oposição, Pagot só teve a nomeação aprovada pelo Senado após seis meses de espera, numa negociação que levou Maggi a peregrinar por gabinetes em Brasília nas últimas semanas. O novo diretor não atendeu aos pedidos de entrevista do GLOBO, feitos desde a quarta-feira por telefone e e-mail.

O deputado Sandro Mabel (PR-GO) é outro campeão de indicações desde a época do antigo DNER, quando ainda pertencia ao PMDB. O partido monopolizou o Ministério dos Transportes durante os dois mandatos de Fernando Henrique. Autor da indicação do antecessor de Pagot, Mauro Barbosa, o deputado ainda preserva alguns cargos na direção da autarquia.

Presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), que reúne os sindicatos patronais do setor, o empresário Clésio Andrade defende a partilha política do Dnit. Ele acumula o cargo com a presidência regional do PR em Minas Gerais.

- É o partido que tem que fazer as indicações mesmo. Se o PR foi designado para o ministério, tem que responder também pelos quadros do Dnit. Pagot é um homem preparado e experiente para a função - afirmou Clésio.

Nos próximos dias, o novo responsável pelo Dnit terá mais um nó para desatar. Os cerca de 2.800 funcionários do órgão - a maioria vinda dos quadros do DNER - ameaçam entrar em greve no dia 19, caso o governo não autorize a revisão do plano de cargos e salários da autarquia.