Título: Renan é capaz de tudo para manter o poder
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 08/10/2007, O País, p. 8

Jarbas promete liderar frente contra o presidente do Senado, a quem acusa de manobras para tirá-lo da CCJ.

Afastado pelo próprio partido da Comissão de Constituição e Justiça, na quinta-feira, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) promete acordar cedo hoje para traçar a estratégia de reação. Uma das principais vozes de oposição ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ele embarcará no primeiro vôo para Brasília, onde tem encontro com Pedro Simon (PMDB-RS) - outro "rebelde" apeado da CCJ pelo líder do partido no Senado, Valdir Raupp (RO). Eles vão decidir se aceitam a oferta do PSDB para permanecer na CCJ na vaga de outra legenda. Em entrevista ao GLOBO, Jarbas acusa o partido de fisiologismo, culpa Renan pela manobra que o tirou da CCJ e anuncia uma frente contra o senador.

Bernardo Mello Franco

O senhor ficou surpreso com a decisão do líder Valdir Raupp de destituí-los da CCJ por ofício?

JARBAS VASCONCELOS: Apesar de extravagante, a medida não me surpreendeu. O clima hoje no Congresso, em especial no Senado, leva a decisões dessa ordem. O presidente quer ficar no cargo a qualquer custo e manobras se sucedem nesse nível de destempero. Ninguém mais no país tem o direito de se surpreender com Renan Calheiros.

O presidente do Senado negou participação no caso. Ele está por trás da manobra?

JARBAS: É claro que está. O líder não faz nada sem ele. Foi Renan quem decidiu. Deve ter ficado zangado com os discursos na sessão em homenagem aos 15 anos do desaparecimento do doutor Ulysses Guimarães, quando eu e Simon comparamos o PMDB de ontem e o de hoje. Renan ficou irritado e mandou a Mesa soltar o ofício (com a destituição dos dois senadores).

O que mudou no partido?

JARBAS: O PMDB de dez anos atrás tinha divisões internas, mas mantinha a compostura. Quando decidiu ser governo, optou pelo oportunismo, pelo toma-lá-dá-cá. O grupo que manda hoje não tem nenhuma tradição no partido. É Renan Calheiros, o líder no Senado (Valdir Raupp), o suplente de senador lá de Minas Gerais (Wellington Salgado), o presidente do Conselho de Ética (Leomar Quintanilha). São pessoas que não conhecem a história do PMDB.

Quais são as raízes desse adesismo?

JARBAS: Isso vem da época de José Sarney, atravessou os mandatos de Fernando Henrique Cardoso e chegou aos de Lula. O PMDB sempre participa do governo, controla ministérios. Depois inventa uma candidatura própria e o governo que era bom passa a ser ruim. A história recente do partido é marcada por isso.

O que permitiu que essa ala fisiológica se tornasse majoritária no partido?

JARBAS: Eles têm um sentido de organização muito eficiente. No centro, como objetivo, está o fisiologismo, o apoio no Congresso em troca de benesses. Ora a liberação de emendas, ora a ocupação de cargos. No primeiro mandato, Lula compôs a base de forma atabalhoada, o que desembocou no mensalão. No segundo teve mais cuidado em ouvir a direção dos partidos, mas a coalizão não foi feita em torno de princípios ou programas, e sim em termos fisiológicos, de ocupação de cargos. Isso beneficia pessoas que não têm nenhum pudor, nenhuma formação democrática, porque sempre estão no governo e em posições de comando. Quando são contestadas, agem dessa forma despreparada e desqualificada como Renan está agindo.

Como se sente no partido diante dessas circunstâncias?

JARBAS: Com desconforto. Minha presença serve hoje para fazer o contraponto entre o PMDB de ontem e o de hoje. O MDB histórico, com compostura, foi porta-voz da insatisfação popular na ditadura e ajudou a redemocratização do país. Eu e Pedro Simon estamos nessa militância há 40 anos.

O afastamento da CCJ vai deixá-los mais isolados na bancada?

JARBAS: Pelo contrário. Éramos absolutamente minoritários e, nas últimas 48 horas, estamos recebendo inúmeras manifestações de solidariedade e apoio de senadores do PMDB. Renan deu um tiro no pé. Ele apenas mostrou que é capaz de tudo para se manter no poder e na presidência do Senado. O líder (Raupp) teve a desfaçatez de dizer que estava nos tirando por sermos independentes. A orientação do PMDB é distorcida, é fisiológica. Temos história e não aceitamos isso.

Os líderes do PSDB e do PDT ofereceram duas vagas para garantir sua permanência e a de Simon na CCJ. Aceitarão?

JARBAS: Agradecemos a solidariedade, mas tenho um pacto com Simon. Vamos nos reunir (hoje) em Brasília para discutir a reação. Manter o espaço na CCJ é bom, mas o mais importante é traçar uma estratégia definitiva de enfrentamento com Renan.

Como será a mobilização?

JARBAS: Precisamos saber o que democratas e tucanos pensam. Só discurso não resolve. Precisamos de uma ação articulada para enfrentar Renan. A desmoralização do Congresso não pode se perpetuar. O Senado já foi ao fundo do poço. Se já estava fedendo há algum tempo, agora virou uma podridão. E isso não pode ser transformado numa luta de oposição contra governo, porque a situação envolve a todos.

Após Renan ser absolvido da primeira acusação por quebra de decoro, em 12 de setembro, o senhor imaginou que ele se tornaria mais conciliador?

JARBAS: Não acreditei que fosse melhorar. Como não tem formação democrática, Renan ficou exultante com o resultado da votação. No momento em que o absolveu, o Senado foi condenado pela opinião pública. Ele não teve essa percepção simples de que havia conseguido uma vitória de Pirro.