Título: O fim da picada
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 09/10/2007, O País, p. 4

Talvez tenha sido o estopim para reacender a chama do velho MDB, que não se sabe se ainda se mantém acesa no fundo da alma do atual PMDB, que às vezes nem alma parece ter, dedicado apenas aos aspectos materiais da política. O fato é que o ataque a dois membros do chamado "MDB autêntico", os senadores Jarbas Vasconcellos, de Pernambuco, e Pedro Simon, do Rio Grande do Sul, por parte da turma que Marcio Moreira Alves identificava ironicamente como "de moral homogênea", provocou uma reação que há muito não se via dentro do partido, que um de seus membros mais proeminentes, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, classificou recentemente de "uma grande confederação de partidos regionais em dissolução", principalmente depois da morte do grande líder Ulysses Guimarães.

A coincidência de que esse recrudescimento da crise de Renan Calheiros tenha acontecido no mesmo período em que se lembra o 15º aniversário da morte de Ulysses Guimarães, o grande símbolo do partido que, pouco antes de morrer, também foi humilhado pelo PMDB, que não apoiou sua candidatura à presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, só acrescenta mais um toque de ironia histórica a essa crise interminável.

Tudo indica que a manobra do governo, efetuada pelo grupo do senador Renan Calheiros, para substituir os dois dissidentes por membros de sua tropa de choque e aprovar a prorrogação da CPMF na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, amplificou mais um debate que destaca o gangsterismo político que está sendo praticado, com a conivência do Palácio do Planalto, e ligou mais uma vez o destino do presidente da Casa aos interesses do governo.

O PT, feito um peru tonto, já foi o responsável pela absolvição do presidente do Senado em seu primeiro processo, tentou melhorar sua posição diante do eleitorado aliando-se à oposição na defesa da saída de Renan da presidência, e agora, por circunstâncias políticas várias, está novamente ligado umbilicalmente a ele. Tanto pela necessidade de aprovar a CPMF quanto pela posição delicada em que sua líder no Senado, Ideli Salvatti, encontra-se diante da CPI das ONGs.

O PT agora terá que marchar com Renan Calheiros para uma improvável vitória final ou para o cadafalso, e, tal qual um neo-PMDB, pode se deparar com uma divisão interna, já que o senador Aloizio Mercadante não desistiu ainda de refazer sua imagem, desgastada pela abstenção na sessão secreta que absolveu Renan. Já o PMDB tem diante de si mais uma dessas divisões de que vive o partido, ainda mais quando se aproximam as eleições municipais, e cada chefe dessa "confederação de partidos regionais" pensa mais em seus interesses políticos imediatos.

A decisão de tirar os senadores Pedro Simon e Jarbas Vasconcellos da Comissão é uma exorbitância que está fazendo com que o próprio partido que o apoiava comece a se movimentar contra ele. O presidente da legenda, Michel Temer, de um grupo contrário ao de Renan, a partir da quebra da aparente unidade do partido, já tomou uma posição contra a decisão, e ameaça levar a questão à Comissão Nacional do partido.

A coincidência entre essa crise institucional que levou a um apoio suprapartidário aos senadores fundadores do PMDB, e o surgimento de uma nova denúncia contra Renan Calheiros, a de que montava um sistema de espionagem de seus pares no Senado, só faz aumentar uma crise que já parecia ter atingido seu ápice.

Tudo indica que o final desse filme é a morte política do senador Renan Calheiros, pois a cada momento aumenta o número de pessoas insatisfeitas, por razões diversas, com a presença dele no comando de um Poder Legislativo que se desmoraliza claramente. Sua participação nas duas manobras, da qual sobram evidências suficientes para que os partidos de oposição entrem com um quinto processo contra ele, é o fim da picada.