Título: A culpa do fracasso
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Globo, 09/10/2007, Opinião, p. 7

Nunca uma negociação comercial internacional, no âmbito do GATT e agora da Organização Mundial de Comércio (OMC), dependeu tanto, para seu sucesso, de uma instituição pública nacional de um dos países líderes nesses entendimentos.

É quase um clichê repetir que, no tocante ao comércio exterior, nos EUA, os republicanos são favoráveis ao livre comércio e os democratas, como reflexo da posição dos sindicatos, são mais restritivos e protecionistas. Hoje a situação mudou e a diferença, na prática, desapareceu. Republicanos, em sua maioria, de acordo com pesquisa recente do "Wall Street Jornal", e democratas, em sua quase totalidade, adotam uma atitude protecionista e restritiva ao livre comércio a fim de preservar os interesses de seus eleitores, especialmente os do emprego.

Para não ficar nas afirmativas genéricas e comprovar o dito acima, podem ser citados alguns exemplos de projetos de lei em discussão no Congresso por proposta de deputados e senadores dos dois partidos. Muitos desses projetos não se transformarão em leis, mas expressam os humores políticos prevalecentes em Washington nos dias que correm.

- Deputado republicano Gresham Barrett requer ao presidente que atrase ou reverta a implementação de decisão do painel de resolução de disputas da OMC ou do Órgão de Apelação que seja adversa aos EUA e que envolva o cálculo de margens de dumping e média de margens de dumping e outros propósitos.

- Deputado republicano Phil English (presidente do grupo parlamentar Brasil-EUA) visa a modificar o Trade Act de 1930 para que seja aplicado com mais rigor e precisão, acrescentando dispositivos legais para aprimoramento das investigações relacionadas ao comércio internacional de forma a garantir a proteção da indústria doméstica americana (como no caso do aço).

- Senadores democrata Max Baucus, presidente do Comitê de Finanças, e republicano Orrin Hatch, determinam a compilação pelo USTR de uma lista anual das barreiras comerciais externas aos produtos norte-americanos para que sejam tomadas medidas efetivas para serem investigadas a fim de que medidas comerciais restritivas sejam adotadas contra outros países; e solicitam o estabelecimento de uma comissão de juízes aposentados e peritos em legislação comercial para rever as decisões da OMC contra os EUA

Nas últimas semanas, o Congresso, desafiando as posições negociadoras do Executivo em Genebra, decidiu aumentar em US$7 bilhões os subsídios na discussão da Lei Agrícola (Farm Bill), em especial no tocante ao açúcar. A senadora democrata Hillary Clinton, que lidera as pesquisas de opinião na corrida presidencial do próximo ano, já avisou em debate eleitoral que não votará a favor de uma nova autorização do Congresso para o presidente Bush negociar o final da Rodada de Doha.

Os EUA, talvez como tática de negociação, indicaram que poderiam aceitar significativa redução dos subsídios (US$13 bilhões a US$16,5 bilhões), no momento em que analistas observam que, em decorrência da desaceleração da economia mundial, a tendência do preço das commodities, a médio prazo, será de queda. Com essa percepção, o setor agrícola nos EUA deverá aumentar a pressão para a alta dos subsídios, na contramão da manifestação dos negociadores em Genebra.

Por tudo isso, qualquer que seja o resultado das negociações em curso em Genebra é muito pouco provável que o Congresso norte-americano conceda a um presidente republicano em fim de mandato o que os republicanos negaram ao presidente Clinton no início de sua gestão: a autorização para negociar (fast track) que expirou em julho passado.

Charles Rangel, presidente de um dos mais poderosos comitês do Senado, disse que, hoje, para os senadores, a prioridade da Rodada de Doha é muito baixa e que não acredita ser possível um acordo. "Acho que a (futura) presidente Clinton vai ter de resolver isso", disse o democrata, aliado de Hillary.

As pressões por parte dos desenvolvidos sobre o Brasil, a Índia e a África do Sul para uma maior abertura industrial são jogo de cena para tentar lançar a culpa do fracasso da Rodada nos países em desenvolvimento, visto que dificilmente os EUA aceitarão reduzir seus subsídios.

A sorte da Rodada de Doha não está em Genebra, mas em Washington, nas mãos do Legislativo dos EUA. E o resultado, mais do que previsível.

RUBENS BARBOSA é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).