Título: Plenário vira arena contra Renan
Autor: Vasconcelos, Adriana e Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 10/10/2007, O País, p. 3

CONFRONTOS NO CONGRESSO

Sem condições de continuar comandando, presidente do Senado abandona sessão.

Depois de uma trégua de duas semanas, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), acabou tendo que abandonar o comando dos trabalhos da Casa, ontem, numa sessão marcada por constrangimento e tensão. Nas duas horas em que permaneceu em plenário, Renan só reforçou os argumentos daqueles que consideram que ele perdeu as condições de presidir a Casa. Impaciente com os inúmeros pedidos para que se licencie do cargo, ele se recusou a ouvir um aparte de Aloizio Mercadante (PT-SP), cortou a palavra de Demóstenes Torres (DEM-GO), bateu-boca com Cristovam Buarque (PDT-DF) e ainda deixou o líder do DEM, José Agripino (RN), falando sozinho na tribuna, embora este tivesse pedido para que ele ouvisse seu pronunciamento.

Renan voltou a ouvir de senadores de todos os partidos, inclusive do PT, apelos para que se licencie da presidência do Senado. No Planalto, a percepção ontem era de que sua situação ficou insustentável. Conselheiros mais próximos não escondiam o incômodo com sua insistência em permanecer no cargo. Aliados atribuíam a deterioração do clima na Casa ao clima de chantagem instalado por Renan, confirmado na última sexta-feira com a divulgação da denúncia de que o presidente do Senado teria usado um assessor especial, o ex-senador Francisco Escórcio, para espionar dois colegas goianos francamente favoráveis à sua cassação - Demóstenes Torres (DEM) e Marconi Perillo (PSDB).

No meio da tarde, circulou na Casa o boato de que Renan aceitaria o afastamento da presidência. O senador, porém, acabou frustrando a todos em plenário. Limitou-se a negar as novas acusações, como fizera na véspera, por meio de nota, e voltou a criticar a imprensa, da qual se diz vítima de um "linchamento humano".

Senadores exigem demissão sumária

Renan anunciou a abertura de uma sindicância para investigar a participação de Escórcio no suposto caso de espionagem, assim como seu afastamento temporário do cargo. A reação do plenário, no entanto, foi negativa. Marconi Perillo interrompeu o pronunciamento de Renan e cobrou a demissão sumária de Escórcio:

- Não há alternativa se não a demissão sumária desse assessor inconveniente.

A líder do PT, Ideli Salvatti (SC), foi outra que achou o afastamento de Escórcio insuficiente. Lembrou que ele ocupava um cargo de confiança e argumentou que ele não merecia mais tal crédito. Renan ficou irredutível:

- Assim como não quero ser prejulgado, não pretendo prejulgá-lo. Por isso, ele será afastado até a conclusão da sindicância.

Da tribuna, Demóstenes tentou mostrar as contradições nas entrevistas e declarações de Escórcio desde a denúncia. Ele divulgou a gravação de uma entrevista feita pela "Folha de S.Paulo" com o advogado Heli Dourado, em cujo escritório o assessor de Renan se reuniu com o ex-deputado Pedrinho Abrão para tentar negociar a instalação de uma câmera de vídeo num hangar da Voar - propriedade de Abrão - usado por Perillo.

Na gravação, o advogado contradiz a nota que divulgara na véspera negando ter assistido a conversa entre Escórcio e Abrão. Contrariado, Renan cortou de forma ríspida a palavra do senador do DEM, que daria vez ao líder do PSB, Renato Casagrande (ES).

- O senhor colocou uma fita aqui, transformou o Senado em delegacia de polícia. Uma fita que não diz nada. Não diz nada - acusou Renan.

- Essa é uma frase que está sendo muito utilizada para tentar abafar a situação - rebateu Demóstenes.

- É isso o que o Vossa Excelência quer fazer com o Senado brasileiro? - prosseguiu Renan.

- Não! É o que Vossa Excelência fez com o Senado - retrucou Demóstenes.

Outra preocupação de Renan ontem foi negar mais uma acusação, publicada pelo "Estado de S.Paulo", de que ele teria determinado ao diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, um levantamento sobre supostas irregularidades nas prestações de contas dos senadores relativa aos gastos com a verba de gabinete. Vários senadores sentiram-se intimidados com a notícia de que Renan estivesse por trás da confecção de dossiês. Demóstenes confirmou que ouviu a história de um amigo seu que trabalha no Senado:

- Fiquei sabendo que foram xerocadas todas as prestações de contas. É papel que enche um caminhão.

Mas Renan negou:

- Não fiz, não farei nenhuma espécie de levantamento sobre a vida pessoal ou política de nenhum senador ou senadora. Bisbilhotar a vida alheia não é uma prática que eu aprove, muito menos que incentive, autorize ou concorde. Jamais um servidor de carreira do Senado, que faz a sua vida aqui, cujo futuro, dele e da família, está aqui iria se prestar a um papel indigno e ilegal como o que foi relatado.

Diferentemente das primeiras defesas em plenário, Renan foi obrigado a conceder apartes. Ele acabou se descontrolando ao ser abordado por Mercadante, que revelou sua expectativa de que Renan anunciasse seu afastamento do cargo depois da primeira absolvição em plenário. O próprio Renan teria admitido a possibilidade.

- Na véspera do julgamento, eu liguei e falei: "Senador Renan, o senhor deveria se afastar da presidência do Senado no momento da votação". E senhor falou: "Eu vou me fragilizar; não posso fazer isso. Mas aceito discutir essa possibilidade após a decisão" - lembrou Mercadante.

A revelação do petista deixou Renan visivelmente irritado. Tanto que, descontrolado, abandonou a tribuna e reassumiu a cadeira de presidente.

- Senador Aloizio, eu, infelizmente, vou encerrar o meu discurso e abstenho-me de comentar o aparte de Vossa Excelência - reagiu Renan, deixando Mercadante falando sozinho.